30.11.07

o meu bom amigo



Agora em inglês.

29.11.07

subway stories (2)

No meio da multidão em hora de ponta um homem tocava violino. Pus-me à sua frente a escutá-lo. Quando o metro chegou ele parou e disse-me 'Scheherazade'. Eu sei, respondi-lhe, de Rimsky-Korsakov. Perguntou-me então se eu era russo. Expliquei-lhe que não, embora com este sotaque que Deus me deu às vezes também pense que sim. Entretanto as carruagens encheram, a estação esvaziou e eu agarrei nos dois dólares que tinha guardados para o bagel tostado e pedi-lhe se a tocava outra vez. Ele fez-me o favor. E assim, no meio daquela estação deserta, o meu pequeno-almoço foi uma dose de melancolia.

Play it again man.

28.11.07

subway stories

Hoje no metro entrou-me uma coisa para o olho. Tinha um metro e oitenta e era morena de olhos azuis.

27.11.07

Mr. Whitman,

Stephanie Seymour, mother of three kids

"go freely with mothers of families"?

my notebook | apontamentos soltos

Há dias em que gosto de enfiar-me num comboio e sair da cidade por umas horas. De comboio, a cidade e as suas sucessivas camadas sentem-se de uma forma explícita e fluída, enquadradas pela janela metálica - como uma sucessão de fotogramas. Do centro da metrópole, com os edifícios sumptuosos em pedra clara, os anúncios de néon vibrante e os ininterruptos fluxos humanos passa-se para um segundo anel, residencial, onde os brownstones e as fachadas de tijolo velho, a par do cinzento do asfalto, predominam a paisagem semidesértica. Depois é o desterro, a cintura industrial abandonada. Antigas fábricas metálicas com longas chaminés, cães vadios, carros abandonados, grupos obscuros. A escala muda - em altura e em densidade - e começa o subúrbio. Centros comerciais com parking lots na cobertura alternam com bairros ortogonais repletos de casas de madeira pintadas em várias cores. E há árvores também; de folhas amarelas, umas, e cor-de-ferrugem, outras. E em vinte minutos chega-se ao campo - o propósito da viagem.

26.11.07

o meu tributo



a Walt Whitman.
(díptico, Central Park, Sunday Morning)

This is what you should do:
Love the earth and the sun and the animals, despise riches, give alms to every one that asks, stand up for the stupid and crazy, devote your income and labor to others, hate tyrants, argue not concerning God. Have patience and indulgence toward the people, take off your hat to nothing known or unknown or to any man or number of men, go freely with powerfully uneducated persons and with the young and the mothers of families, read these leaves in the open air every season of every year of your life, re-examine all you have been told at school or church or any book […]. (Leaves of Grass, preface 1855)

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24.11.07

preferências



No cinema, como na vida, prefiro as putas às sonsas.
Nas grandes epopeias históricas os heróis cumprem extraordinárias façanhas físicas: nadam cinco dias sem parar, correm durante dez dias e dez noites e quando descansam das suas proezas dormem oito dias a fio. Eu, que nado apenas cinco minutos e corro outros trinta, surpreendo-me por algumas vezes conseguir dormir dez horas seguidas. Isto quer dizer que, proporcionalmente, o meu lado mais heróico está na preguiça.

22.11.07

those ghostly traces, photographs

copyright Walker Evans

beleza americana (2)

Não reconheço a América de Whitman. Sei que existiu, pois a par das fotografias transcendentais de Walker Evans, dos seus últimos 'resquícios', está o percurso histórico da nação para prová-lo. A América que reconheço tão pouco vem nas linhas orgíacas de Hunter S. Thompson ou Bret Easton Ellis. Parte dela vem certamente nas personagens de Cheever, Carver e Malamud. Mas, inevitavelmente, a minha América é a de Mr. Bukowski. Fica a devida ressalva que este post não é pessimista. Consideremo-lo apenas dirty realista.

beleza americana

Completo a leitura de 'Leaves of Grass', de Walt Whitman. Não o calhamaço de 500 páginas com a compilação da sua obra mas a edição original de 1855, com apenas 12 poemas sem título, que Whitman enviou a Ralph Waldo Emerson e cujo prefácio é tido como um manifesto da Revolução Cultural Americana. E agora perguntam-me: É bonito? - Sim, é bonito, mas desde o cinema de Eagle Pennell que não via tanta ingenuidade num homem adulto.
Ou talvez deva dizer optimismo.

53 quilos



Foi por pouco, devo dizê-lo.
Por muito pouco.

vida social

Uns amigos convidaram-me para um jantar. Convidaram também três amigas.
Nenhuma delas era maneta ou pesava menos de 50 quilos.

21.11.07

fazer contas à vida

Depois de afundar-me durante uma hora no NYCensus vejo que isto está ainda pior do que eu pensava. Afinal as 6 300 000 mulheres de Nova Iorque (hipotéticos 70% de hipotéticos 9 000 000 de habitantes) são na realidade 4 134 613 (reais 52,7% de reais 7 836 676). Se a este número retirar as menores de 21 anos ficam apenas 3 054 053. Por questões pessoais (embora tenha os exemplos contraditórios de Jessica Lange ou Paulina Porizkova na cabeça) resolvo subtrair também as maiores de 49. O número passa para 1 684 648. Excluo também as asiáticas, que são fundamentalmente um fetiche sexual e os fetiches sexuais não servem de base (depende) para uma relação séria, e fico com 1 249 338. Como homem decente que sou, retiro igualmente as mulheres casadas da lista. O número está agora em 650 292. E se ainda por cima aplicar uma taxa de segurança, ou seja, considerar que 7% serão uns batráquios, 9% uns coirões, 20% umas vadias, 6% umas burras, 12% outras menos burras e 3% demasiado inteligentes, restam-me 370 660. Insatisfeito, e mandando a decência às urtigas, volto a meter as casadas na conta e passo para 969 712. Assim, lembrando-me da minha possibilidade de 1/1 000 000, fico a saber que há apenas 0,969 de mulher com a qual me poderei encantar. Nem chega a uma unidade completa.

Resumindo, a gaja que eu deveria estar à procura ou é maneta ou pesa menos de 50 quilos.

20.11.07

1/1 000 000

Uma das perguntas no inquérito do magazine era se 'a qualidade intelectual de uma mulher conta'. Fiquei mesmo algum tempo sem saber o que responder. Quando coloquei mentalmente a cruz no sim o resultado foi o que se viu.

álgebra nova-iorquina

Nos cerca de 9 000 000 de habitantes que circulam pela cidade estima-se que cerca de metade sejam mulheres - embora eu intimamente deseje que sejam 70%. Isto não deve ser visto como um caso típico de mais olhos que barriga e tal. Não. É apenas uma questão de defesa pessoal. Se a minha possibilidade de voltar a encantar-me, segundo a revista que vi no quiosque, é 1/1 000 000, é mais reconfortante pensar que há 6,3 espécimes que encaixam do que apenas 4,5. É que 1,8 faz toda a diferença.

poesia japonesa

Caiu ontem a primeira neve do ano na cidade.
Levei ontem o meu primeiro não.
Vai ser um longo Inverno.

18.11.07

dos cabrões



Há os que o são sem querer sê-lo, como o Harry de 'Sommaren med Monika' (Bergman, 1953) e outros há, como o barone em 'Divorzio all'italiana' (Pietro Germi, 1961), que não o são, fazem tudo para vir a sê-lo e quando pensam que já não o serão, acabam finalmente por sê-lo sem saber. Ainda há outros: os que não o são mas comportam-se como se o fossem.

hiper modernidade (2)

Eu, o meu balão encarnado e a cidade fria e cinzenta. Como o miúdo, naquele filme de Albert Lamorisse.

hiper modernidade

Lipovetsky, apesar de tudo, não é apenas um dos meus favoritos. É também - sei-o agora - o meu biógrafo. O biógrafo dos peões anónimos perdidos no meio da multidão.

16.11.07

pobre conrad



Quase me esquecia de ti.

odisseia

Eu já vi mulheres como Circe, que transformaram homens em porcos, ou gigantes só com um olho como Polifemo. Também já assisti ao canto magnético de sereias e escutei histórias de como homens ultrapassaram engenhosamente obstáculos como Ulisses fez com Cila e Caríbdes. Mas nunca, nunca, nunca escutei que alguma mulher tivesse esperado (sozinha) vinte anos por um homem. A verdadeira fantasia na obra de Homero refere-se apenas ao carácter humano. Exceptuando a fidelidade de Penélope, tudo o mais é normal.

14.11.07



Sempre disse que as minhas referências na adolescência (e não só) são tudo menos minimamente aceitáveis, social ou intelectualmente. Vão dos autores originais do noir, como Hammet ou Chandler, aos mestres da pulp-fiction, como Cheney, Gruber ou Spillane. Depois há outras soltas, também nessa fase da minha vida, como Jean Lartéguy e os seus 'Mercenários' ou as odisseias sofridas dos livros de Jack London. Aos poucos fui formando o meu carácter de homem-social suportado pelos anti-heróis solitários, por aqueles que sabem que o combate nunca é justo; que os canalhas vivem ao lado. Os mais velhos, sentindo a tendência explosiva daqueles anos de corrécio inadaptado, alertavam-me para os perigos do marialvismo, da vida boémia, das brigas de rua. Serviram assim, esses breves anos da adolescência, como a minha 'Segunda Educação Sentimental'.

eu e a política

A minha relação com a política começou mal, aos oito anos, no dia em que fui com o meu Pai (de esquerda) a uma marcha comemorativa do 25 de Abril. Aparentemente não é nenhum problema - a liberdade deve (e tem) de ser celebrada - mas nesse dia estava de chuva e eu, com um metro de altura e vestido de fato-de-treino, vi-me repentinamente abafado no meio de uma turba de barítonos rurais que cantava a 'Grândola Vila Morena'. A segunda experiência não foi muito melhor: Presidenciais de 1986, comício do Freitas do Amaral em Évora. Levou-me a minha Mãe (de direita) e revejo-me claramente de chapéu de palha panfletário idiota e bandeira azul e amarela agitada ao ilustre senhor desconhecido. Mais tarde, depois de ambos os traumas, pensei que a escapatória estaria ao centro, como a virtude, e por isso mesmo aos vinte anos namorisquei uma militante da Juventude Socialista. Foi um tiro no pé. E a minha definitiva retirada política.

ainda te lembras de quanto eu gostava de mailer

A morte de Mailer teve um estranho propósito. Alguém, de quem há muito nada sabia, lembrou-se de mim com a morte do escritor. Por email, ironicamente lamenta a minha tristeza pela perda de mais uma referência e depois, num golpe de misericórdia compara-me a Mailer, "o machista, mulherengo egoísta, boémio esquerdista, putanheiro e arruaceiro."

Estás enganada, respondi-lhe, eu não sou de esquerda.

11.11.07

lacrimae rerum (3)



Norman Mailer.
31 de Janeiro de 1923 – 10 de Novembro de 2007

Vi Norman Mailer há quatro meses numa onstage conversation na Film Society do Lincoln Center. Chegou, como o disse na altura, curvado pelos seus 84 anos de idade mas posteriormente a lucidez do discurso borrou a imagem do ancião frágil. Demonstrou-se cáustico como sempre. Disse por exemplo que a segunda pessoa mais cobarde que conheceu na vida foi Ronald Reagan. Não mencionou a primeira. Quando interrogado acerca da versão pornográfica de Maidstone, disse que sim, que possivelmente existia, mas se assim fosse nunca seria largada nos próximos vinte anos pois talvez algumas das intervenientes sejam agora avós respeitáveis. Na leitura recente de 'The Deer Park' não me lembro da quantidade de vezes que tomei nota de passagens tão introspectivamente lúcidas. As suas descrições dos confrontos pessoais de Eitel ou Sergius, (os protagonistas) e as lutas-de-morte com os próprios fantasmas têm um realismo pungente. São eles, mas também sou eu, tu, nós, vós, eles. Esta lá tudo. Poderão ser, cada um à sua maneira, alter-egos do autor, mas são-o seguramente de qualquer outro homem que um dia amou uma mulher - e que teve de lidar com decisões, incertezas e erros; de ambas as partes.
Morreu Norman Mailer, um homem de outros tempos.

9.11.07

os trinta

Estou numa fase da minha vida em que uma considerável parte das mulheres giras já é mais nova do que eu. Estou numa fase da minha vida em que uma considerável parte das mulheres interessantes e intelectualmente estimulantes continua mais velha do que eu.

Por exclusão de partes, sou trintão.
linda, right?

Transcendentalismo realista.
American born, Iowa, 1977.

provavelmente

Walt Whitman escreveu no prefácio à edição de 1855 de 'Leaves of Grass' que todos os americanos têm provavelmente a mais completa natureza poética. Eu acho que ele estava profeticamente a referir-se a Michelle Monaghan. Nesse caso, e sabendo que todos é uma grande anedota, concordo totalmente.

this is new york

Com esta simples frase, que também serve para explicar o improvável, nove milhões de pessoas descartam-se das suas responsabilidades ou culpas no cartório. A expressão serve de justificação para tudo - tanto para o casal asiático que se casa num andaime usando capacetes de protecção azuis como para faltas de carácter e educação. É um Complexo de Pilatos em massa; ou uma subliminar metástase colectiva.

8.11.07

the 'turning me back' point

A especialidade delas.

4.11.07

the 'no turning-back' point

A minha especialidade.

cabeçada à cais do sodré

Sempre tive muito respeito por esse golpe canalha de luta de rua chamado cabeçada à Cais do Sodré. Para quem nunca andou à pancada fica o esclarecimento: A. simula o afastamento de B. voltando-lhe as costas e forçando-o assim a baixar inconscientemente a guarda. Nesse momento A., de costas, projecta o occipital em direcção à cana-do-nariz de B. Geralmente, depois disto, fica o assunto arrumado. É um golpe essencialmente masculino, digno de marinheiros, chulos, proxenetas e marialvas de cabaret. E pelos vistos de algumas mulheres também - mas no caso delas, metaforicamente falando.


Diane Arbus escreveu um dia que encarava a fotografia como um acto malicioso e que a primeira vez que fotografou sentiu-se perversa. Vinda de uma família da alta burguesia nova-iorquina, procurou através da fotografia o contacto com um mundo real, ou pelo menos um mundo muito diferente do seu círculo protegido. Começou por fotografar catálogos de moda em equipa com o seu marido. Após esse período empenhou-se num projecto fotográfico mais pessoal: o interesse pelos deficientes físicos, por pessoas com anomalias mentais, pelos circos de freaks e ao longo da sua carreira manteve sempre esse interesse em grupos marginalizados pela sociedade. Mais tarde retratou os travestis e os boémios da noite nova-iorquina. Não os fotografava de um modo oculto, disfarçado, aparentemente casual, ou como um acto de voyeurismo, mas fazia-o de uma forma autorizada, encarando os seus 'sujeitos' de frente, onde os próprios assumiam uma postura de pose e desafiante. Fotografou por vezes, saindo do seu objecto de estudo, pessoas ditas normais. Mas buscava sempre o seu lado mais ferino, abjecto. Arbus pertence, a par de Bukowski e Raymond Carver (entre outros), à geração desencantada que deixou de rever-se nos resquícios da Revolução Cultural Americana de Whitman. Os seus trabalhos representam uma visão pessimista da América, uma autocrítica negra e cruel. Em 1971 suicidou-se no seu apartamento na Village. Tinha 48 anos.

1.11.07

divórcio à italiana

Marcello Mastroianni em 'Divorzio all'italiana' (1961), de Pietro Germi

Tão simples quanto isto: mata-se a mulher.

para a diáspora blasée

A quinta frase completa da página 161 do livro que está mais perto: It is common now for people to insist about their experience of a violent event in which they were caught up - a plane crash, a shoot-out, a terrorist bombing - that "it seemed like a movie". ('On photography' [1973], de Susan Sontag; aqui, mesmo ao meu lado - ao alcance do braço).

Para a Mónica, na diáspora blasée.
Em fase de misantropia parcial, devido a uma experiência num evento psicologicamente "violento" em que me vi envolvido - o horror do Halloween a caminho de casa (parecia um filme) - decido não passar a corrente a ninguém.

halloween (3)

Nova Iorque, como seria de esperar, transforma-se na noite de Halloween. Para além do desfile e da multidão saem também à rua o histerismo, a euforia e até - isto é importante - o deboche declarado. De qualquer maneira, à falta de um circus maximus, a noite de Halloween funciona como a purga do Povo; e em última analise, a breve glória dos reprimidos.

halloween (2)

Shallow win.