31.5.08

essa femme fatale, fatal

É dito que no noir a femme fatale é a culpada da acção destrambelhar, do anti-herói se tramar, do dinheiro esvoaçar e do sossego acabar.

Na vida real, para que isso aconteça, basta ser femme. Nem precisa de ser fatal.

o seu duplo perene

Angie Dickinson

30.5.08

walk the talk (2)

Uns dizem o que fazem. Outros fazem o que dizem.
A diferença é fundamental; e por isso mesmo prefiro sempre pensar que pertenço aos segundos.
Mesmo que tal não seja totalmente verdade. Ou absolutamente mentira.

walk the talk

'Muerte de un Ciclista' (1955, JAB) espelha um manifesto de intenções de uma nova geração de cineastas espanhóis. Em 1955 Juan António Bardem juntava-se a outros em Salamanca e afirmava que «O cinema espanhol é politicamente ineficaz, socialmente falso, intelectualmente ínfimo, esteticamente nulo, industrialmente raquítico». Assim, neste drama burguês de laivos noir, Bardem contraria a tendência e utiliza o cinema como um veículo de crítica social e política ao regime de Franco, denunciando o favoritismo e nepotismo das classes governantes; a par da sua vida fútil e despreocupada contrastando com a dureza do país real. A esta abordagem de crítica social o cineasta espanhol traz elementos característicos do neo-realismo italiano: a filmagem nos subúrbios madrileños e a utilização de alguns actores não profissionais.

Quando nesse ano o filme ganhou o Prémio da Crítica no Festival de Cannes, Bardem estava preso.
E assim continuou por duas semanas mais. He walked the talk.

Sven Nykvist

Fotograma de 'Muerte de un Ciclista', do senhor do costume

em Alfredo Fraile.

os amantes

Juan é um professor universitário que deve o cargo à influência social do cunhado e Maria José está casada com um poderoso industrial. Num dia de chuva atropelam um homem numa estrada deserta. Ao parar o carro comprovam que ele ainda respira. Para Maria José socorrer o moribundo implica a exposição do seu pecado maior, a infidelidade, e consequentemente a perda do status social. Juan compreende e deixam apressadamente o local. Na posterior construção de um remorso comum divergem no motivo: para Juan, o peso moral de abandonar um homem às portas da morte numa valeta encharcada é insuportável; para Maria José o seu medo deve-se apenas à repreensão do seu meio elitista.

'Muerte de un Ciclista' (1955), do espanhol Juan António Bardem, explora as consequências de um drama burguês na Madrid dos anos 50; mas podia ser, como ele próprio o disse, em qualquer cidade, em qualquer país.

E apesar de o ter afirmado apenas para ludibriar a censura franquista, tinha razão. Com este abismo colossal entre o carácter dos amantes, tão contemporâneozinho e cosmopolita que ele é.

28.5.08

a obscura culpa católica

fotograma de 'La Muerte de un Ciclista', de Juan Antonio Bardem

vinte para as dez

Dormito. Acordo. Adormeço. Dormito; acordo; adormeço e por aí fora.

vinte para as duas

Devido ao feriado nacional do Memorial Day o fim-de-semana prolongou-se por três dias. São Pedro esteve do lado dos nova-iorquinos e trouxe a esta terra de abundância onde tanta coisa falta o melhor tempo do ano até à data. Segundo o que li, as praias de Long Island e Jersey encheram e da minha janela consigo ver que hoje já anda tudo a pavonear uns bronzes do camandro. Menos eu, o urso, o australopiteco que passou os dois últimos dias com quarenta de febre a cozer debaixo de um edredão de penas de pato da loja dos trezentos.

Agora estou na ressaca da gripe, mais desperto, a comer muesli com sumo de maçã, seguido de paracetamol que não ataca o estômago garganta abaixo, embrulhado num turbilhão de filmes de samurais e enquanto dormito nas cenas de hara-kiri roubo as memórias de outros; como a de rever em vídeo-oito cheio de grão uma miúda de camisa de ganga à volta de um lagar pintado de cal branca.

Dormito. Acordo. Adormeço. Dormito; acordo; adormeço e por aí fora.

27.5.08

depois da tempestade,

Toshiro Mifune em 'Samurai II', de Hiroshi Inagaki

a bonança.

26.5.08

104 fahrenheit

A febre traz o delírio nocturno e as memórias confundem-se com os receios. Os fantasmas interiores desfilam ao lado da cama, provocadores, instigadores do remorso na obscura culpa católica e sorriem com malícia relembrando o Inferno de dias esquecidos. Num solitário acto de coragem, débil e fragilizado, arrumado a um canto escuro, combato-os com o último fôlego na noite fria. Quando acabam por cair derrotados esfumam-se nos sonhos; só nesse momento se soltam as lágrimas da sobrevivência, da injustiça aniquilada, do pecado expiado. No entanto, na vingança de Morfeu tudo se mistura por instantes e ameaça explodir, até que o cansaço vence finalmente a vigilância e o sono chega ao Olimpo. Amanhã será outro dia.

23.5.08

outra história de Maio

Um ano depois repete-se a Fleet Week, com as ruas cheias de marinheiros que entopem os bares e passam noites de boémia agarrados às bimbas dos arrabaldes. E apesar de não ter chegado a esta cidade como marinheiro, embora por vezes me pareça o contrário, faz agora exactamente um ano que cá atraquei.

the art of american snapshot

'the art of american snapshot', collection of Robert E. Jackson 'the art of american snapshot', collection of Robert E. Jackson

uma história de Maio

Que começou no ano antes da Revolução. Quando um grupo de jovens adultos se encontrava aos finais de tarde num café de esquina da Rua dos Caetanos, ao Bairro Alto, ou nas salas da Escola de Teatro do Conservatório Nacional e decidiu escrever o seu próprio destino baseado nos valores em que acreditava.

Depois a Revolução trouxe-lhes finalmente a liberdade que esperavam e a possibilidade de concretizarem o sonho utópico da igualdade social; aquela que vinha em livros e que outros homens e mulheres reivindicavam pela Europa fora. Eram novos e enérgicos e a eles lhes chegavam as notícias de uma ideia em marcha, de um movimento social que levaria a cultura à província, aos desterrados da capital: a Descentralização do Teatro. Agruparam-se aos poucos; uns vindos do Exílio no Estrangeiro, outros do Norte e das Ilhas, outros da cidade de Lisboa. Posteriormente rumaram para a Beira Alta e para o Alentejo, os palcos da sua acção.

Também eles, como todos antes deles e de todos os quadrantes políticos, entenderam o poder da imagem como a arma mais forte. No ano de 1975 o Centro Cultural de Évora, formado por parte desse grupo de jovens actores conduzidos por um veterano, usando o "Teatro como a arma mais forte" e como um veículo de intervenção e crítica social, estreava 'A Noite de 28 de Setembro', a peça teatral de Richard Demarcy sobre a Revolução de Abril.

Imagino-os agora naqueles tempos, de cabelos fartos e roupas largas, utópicos, sonhadores, ideólogos de esquerda, voluntários revolucionários das causas culturais. Vejo-os todos juntos, na arcada do antigo teatro, como se para uma fotografia esbatida olhasse. E por isso mesmo, acrescento agora, este texto é para o meu Pai; que também está algures lá na fotografia.

22.5.08

os cães de palha

Lembro-me bem de um tipo que eu não conhecia e que era muito crítico de tudo e de todos. Nas suas observações vinha sempre camuflada uma dose de agressividade e sarcasmo que por si só já demonstrava uma notória dor-de-corno.

Depois um dia, casualmente, vi-o e surpreendeu-me a sua fraca figura de homem enfiado numa vida de merda. E então nesse momento compreendi a Mão de Deus: a ele, que nada tinha, o Altíssimo deu-lhe a língua afiada. Mas nada mais do que isso.

21.5.08

those ghostly traces, photographs

'Ordet' de Carl Th. Dreyer, com uma notável fotografia de Henning Bendsten

as fases da vida

A onstage conversation começou imediatamente a seguir à projecção de 'Light Sleeper', um filme de Paul Schrader com fotografia de Edward Lachman. Discutiu-se a fotografia do filme, obviamente —sobretudo da cena íntima entre Dafoe e Delany— mas a maioria das questões eram colocadas a Schrader e incidiam sobre a sua abordagem narrativa e conceptual.

Num breve resumo dois pontos sobressaem: 1) Schrader escreveu e realizou 'Light Sleeper' (1992) como um estudo reflectivo sobre as crises de meia-idade masculinas. 'O que faz um homem quando o seu universo social, físico e/ou emocional ameaça desmoronar-se?' e 2) Schrader descreveu um paralelo sobre algumas das suas mais conhecidas criações de personagens cinematográficas masculinas — todas são o mesmo homem em diferentes fases da vida: aos vinte anos o 'compulsivo', deNiro no 'Taxi Driver' do Scorsese', aos trinta o 'narcisista', Gere em 'American Gigolo' e aos quarenta o 'neurótico', Dafoe em 'Light Sleeper'.

20.5.08

a cinematografia de Edward Lachman (2)

Vou agora para a cinemateca da BAM-Brooklyn para assistir, daqui a uma hora, a uma onstage conversation com Edward Lachman. Pelo sim, pelo não, preparei a minha pergunta relacionada com um post anterior:

Geoff Dyer pointed out in his essay 'The Outgoing Moment' that the influence of the photographic works of William Eggleston and Stephen Shore motivated some directors such as David Lynch in 'Blue Velvet' or Gus van Sant in 'Elephant'. Watching 'The Virgin Suicides' seemed to me that this influence is even more eminent in your approach as a cinematographer. Can you please elaborate on their influence, (if any), in your work for that specific film? Thank you.

Depois, quando tiver tempo, hei-de para aqui transcrever a resposta. 1) se tiver oportunidade de fazer a pergunta; 2) se tendo a oportunidade de fazer a pergunta Lachman me responda; e 3) se tendo a oportunidade de fazer a pergunta Lachman me responda alguma coisa de jeito.

19.5.08

o meu bardem

'Muerte de un Ciclista', de Juan Antonio Bardem

do teatro

A relação começou nos finais dos anos setenta, onde eu, ainda miúdo, assistia aos ensaios-gerais no Teatro Garcia de Resende. Os camarins, o guarda-roupa, o pano-de-boca e acima de tudo os secretos mecanismos da caixa-de-palco eram o meu terreno de aventura. Dramaturgos como Demarcy, Goldoni, Weiss, Marivaux ou Brecht faziam parte da linguagem doméstica e o nervosismo lá em casa em noites de estreia e a sala de laivos barrocos cheia de adultos povoam as minhas primeiras memórias. Um longo hiato depois disso. O reencontro deu-se precisamente com Pinter, entre outros, pelos Artistas Unidos anos e anos mais tarde.

Tento agora, lentamente, a minha reaproximação ao teatro. Como o filho pródigo de regresso a casa. Mas entretanto nele ou em mim algo mudou; ou muito provavelmente nos dois. E o embate não é leal.

18.5.08

a midnight valium for a good night sleep

Madrugada. As luzes da rua e os violinos de Béla Bartók invadiram o quarto. Sentias a melancolia e a tristeza do momento. E depois, naquela breve hora antes de adormecer, nunca foste tão mulher.

16.5.08

emenda

'Ken Park'

Até fui precipitado em relação aos tresloucados todos nus de 'Ken Park'. Os fotogramas com a malta de pila ao léu de facto não fazem aqui falta nenhuma, mas esta cena do poster é um dos melhores momentos milf da história do cinema. E com momentos milf à mistura tudo muda de figura.

oscar wilde, ou o zeitgeist vitoriano

Algernon (to Jack): Literary criticism is not your forte, my dear fellow. Don’t try it. You should leave that to people who haven’t been at a University. They do it so well in the daily papers.

[...]

Algernon (to Jack): My dear fellow, it isn’t easy to be anything nowadays. There’s such a lot of beastly competition about. [The sound of an electric bell is heard.] Ah! That must be Aunt Augusta. Only relatives or creditors ever ring in that Wagnerian manner.

'The Importance of Being Earnest', ontem, pela Pearl Theatre Company.

a cinematografia de Edward Lachman



Como por aqui escrevi, algures, para o ensaísta Geoff Dyer é evidente a influência do trabalho de William Eggleston em temas que estão para além do campo da fotografia per se. O autor refere como exemplos desta influência 'Blue Velvet', de David Lynch e 'Elephant', de Gus van Sant. Mas acredito, sobretudo depois de o rever esta semana, que 'The Virgin Suicides' de Sofia Coppola (desconhecido, esquecido ou omitido por Dyer) é o melhor exemplo de todos. Embora nos dois anteriormente referidos haja de facto uma aproximação ao objecto de Eggleston —a Americana— só a América de Coppola —ou melhor dizendo: a de Edward Lachman, o director de fotografia— é a de Eggleston. As outras, seguindo a lógica de Dyer, serão apenas insinuações temáticas.
Eu nem acho piada nenhuma à mosca-morta da Kirsten Dunst. Sempre disse que no cinema, como na vida, prefiro as putas às sonsas. Mas para reforçar a ideia acerca do que escrevi sobre William Eggleston e Edward Lachman estas são as melhores imagens disponíveis.

Ou então os tresloucados todos nus de 'Ken Park'. Mas essa merda neste blogue não entra.

15.5.08

'Summer with Monika', de Ingmar Bergman

as quecas por misericórdia, ou um acto de cobardia

Anna: If Alice came to you … desperate … with all that love still between you and she said she needed you to want her so she could get over you, you would do it. I wouldn’t like it either but I would forgive you because it’s … a mercy fuck – a sympathy fuck. Moral rape, everyone does it. It’s … kindness.
Dan: No, it’s cowardice.

'Closer' (1997), de Patrick Marber.

demasiado perto

'Closer' (1997), de Patrick Marber, já vinha no 'Old Times' do Pinter e antes disso no 'Sommaren med Monika' (1953) do Bergman. E muito antes de vir em todos eles já vinha em todo o lado. Talvez mesmo na Bíblia; ou assim me parece. Mas resumindo e concluindo, nunca foi tão actual.

14.5.08

o meu tributo

Copyright PDB

a Lee Friedlander.
(tríptico, Coney Island, Abril 2008)

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as mulheres, os homens e o número de homens das mulheres

Quantos tiveste antes de mim? A pergunta salta entre o ciúme dos homens. Para uma mulher nunca interessa saber nem tão pouco responder. Uns seguramente serão esses enganos impossíveis de refazer, outros serão essas paixões impossíveis de ultrapassar. Mas tudo é passado, metido numa gaveta no fundo do subconsciente. O que conta é o Presente. Contudo o ciúme é insensato e imprudente e torna a questão numa cruzada momentânea. O homem e o seu sentido de propriedade & posse, esse perpétuo erro crasso masculino. E por isso, ano após ano, vida após vida, a questão aparece repetidamente até encontrar uma resposta. E qualquer que ela seja — dois ou trinta — para um homem serão sempre demasiados. Melhor nunca perguntar, melhor nunca responder.

13.5.08

having dogs

Para as mulheres de Nova Iorque os projectos de futuro a dois não se traduzem em having kids.
Ficam-se pelo having dogs. O que diga-se de passagem já é compromisso sério que chegue.

Para antes dos quarenta.

o meu tributo

Copyright PDB
a William Eggleston.
(tríptico, algures em Queens, Novembro 2007)

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12.5.08

chain reaction

No arquivo de Walker EvansNo arquivo de Walker Evans

Do caderno de Walker Evans para a minha parede.
Da minha parede para este blogue.
E de este blogue para onde calhar.

do cinema e do fascismo

'Scipio Africanus' (1937) é o maior exemplo das superproduções fascistas como actos de propaganda: o cinema como a arma mais forte evoca a superioridade nacional, o militarismo e o heroísmo masculino. O filme, de carácter histórico, explora as conquistas romanas em África durante a Segunda Guerra Púnica e a vitória de Cipião o Africano sobre os exércitos de Aníbal. Mas a mensagem subliminar refere-se ao paralelismo de eventos e ideais entre Cipião e Mussolini e entre a Batalha de Zama e a invasão e conquista da Etiópia em 1935.

É dito que quando Mussolini visitou o local das filmagens os cerca de 6000 figurantes adularam-no com gritos de 'Duce, Duce' e a saudação fascista.

A semana passada Gianni Alemanno, o antigo neo-fascista enfant-terrible, venceu as eleições para o novo mayor de Roma. À semelhança de Mussolini Alemanno tenta agora uma promoção do cinema italiano bloqueando o Festival de Roma, a produção de Hollywood e as suas estrelas. No dia da sua vitória a multidão juntou-se na rua com gritos de 'Duce, Duce' e a saudação fascista.

A História repete-se continuamente a si mesma.

11.5.08

wall pattern

Percorro a cidade; as livrarias dos museus, os alfarrabistas de bairro, os quiosques de revistas internacionais e termino o dia a folhear o Sunday NYTimes. Tenho mais vinte novos postais e recortes para a minha parede-colagem. É um daqueles tiques, onde quer que esteja tenho de ter uma. Colo lá de tudo: programas do Pordenone Silent Film Festival e a sequência de polaroids que fiz em Coney Island; postais de cinema: do 'Mamma Roma' do Pasolini ao 'Iron Horse' do John Ford; recortes de jornais em halftone e fotografias de Kanemura e Sugimoto.

As imagens amontoam-se dia após dia; mas mesmo assim em nada comparáveis às colecções de Diane Arbus ou de Walker Evans —ambas descobertas em edições sobre as suas vidas e trabalhos não editados onde os títulos explicam tudo: 'Revelations' (a de Arbus), 'Unclassified' (a de Evans).

**

Comparo as composições —as deles e a minha— abrindo os dois livros ao mesmo tempo para rever as fotografias das suas paredes-colagem e cadernos de arquivo de imagens coleccionáveis. Condenados, cadeiras eléctricas, freaks, gémeos, assassinos-procurados, pin-up girls, manuscritos. Tudo na parede de Arbus. Nos cadernos de Evans as imagens de políticos e de trajes africanos e orientais predominam os temas. Mas também há fotos de linchamentos, máscaras de gás e outra vez as cadeiras eléctricas e os assassinos-procurados que resultam nos elementos comuns a ambos. Depois releio alguns textos e apercebo-me o quão próximos estavam os dois um do outro nas suas visões quase diametralmente opostas do mundo.

Seguidamente colo na parede uma série a preto-e-branco de máscaras de gás digitalizada dos arquivos de Evans. Estou confuso, parece-me mórbida; talvez a retire amanhã de manhã e ela venha parar a este blogue. Pode ser que aqui fique mais a condizer. Mas duvido.

9.5.08

a aprendizagem

De há uns tempos para cá também eu estou em autarchia, essa auto-suficiência a vários níveis.
Amizade incluída.

o cinema é a arma mais forte

No final da década de 1920 Pirandello criticava o aparecimento do cinema sonoro como uma manifestação de uma vulgar cultura americana que resultava antiética perante o Teatro e a Arte. Mesmo assim, Mussolini foi tolerante em relação ao som e à hegemonia de Hollywood; em parte devido à ligação dos emigrantes italianos na América, em parte devido ao entretenimento das massas pois a indústria cinematográfica americana assegurava cerca de 70% dos lucros de bilheteira em Itália.

No entanto a tolerância terminou em 1936, ano em que o ditador criou a autarchia, uma doutrina de auto-suficiência nacional a vários níveis; cinema incluído. No ano seguinte inaugurou os estúdios da Cinecittà, palco para superproduções propagandistas fascistas, baseado no lema 'Il cinema è l'arma più forte'.

Oito anos e quase trezentos filmes depois os Aliados bombardearam totalmente as instalações. "O cinema é a arma mais forte?" Eles também sabiam isso.

reforçar uma ideia

Agora sim, mais do que nunca, estou como o miúdo no filme do Albert Lamorisse. Ele de balão encarnado pelas ruas de Paris e eu de bola de basquete castanha pelas da East Village.

8.5.08

dos ciclos

Estive um ano à espera da publicação de uma coisa e agora, como já diz o ditado que não há fome que não dê em fartura, irei ver isso em três sítios diferentes. Tudo isto deixa-me a pensar em como os ciclos de abundância e escassez fazem parte da vida de um homem em todas as frentes: no trabalho, no dinheiro, na saúde, nas relações sentimentais e até, para mal dos pecados masculinos, no tesão. E ainda por cima, no caso dos últimos dois referidos, há que rezar para que sejam coincidentes. Caso contrário, para mal dos calores femininos, não servem de grande coisa juntos.

6.5.08

das jornalistas asiáticas

'Year of the Dragon' (1985), de Michael Cimino

A memória cinematográfica de Ariane no 'Ano do Dragão' de Michael Cimino.
E do colchão dela com vista sobre Manhattan.

jornalistas de óculos escuros

Ontem na escadaria do Federal Hall, enquanto saboreava o meu sumo de cenoura e beterraba, uma jornalista asiática de uma cadeia de televisão local encurrala-me numa entrevista surpresa. Quer saber o que acho, como "elemento da Stock Exchange", acerca do mercado financeiro global e sobretudo da presente situação dos Estados Unidos.

Stock Exchange? Eu? Aqui tão sossegado de óculos escuros a ver quem passa? Olho para os meus pés e pergunto-lhe desde quando é que alguém que trabalha na Stock Exchange usa sneakers e jeans em horário laboral? Riu-se e deu-me razão. Demonstrando a sua flexibilidade profissional refez então a pergunta e acentua o como um não-elemento da Stock Exchange. E eu, como disse, encurralado, lembrei-me de um par de bacoradas que li na banca de jornais do indiano e lá respondi ao cliché.

Antes de despedir-se ainda me perguntou se o sumo era de morango.
Disse-lhe que sim.

1.5.08

a meia idade

Marlon Brando e Maria Schneider em 'Last Tango in Paris'

Aquela em que um homem corre o sério risco de comportar-se como um ordinário.

as respostas múltiplas

E perguntaram-me: a psicologia masculina é mesmo assim? Um homem olha para outra mulher por que a mulher dele é olhada por outros homens?

Claro que não, é uma das respostas. Geralmente olha porque a outra mulher merece que se olhe para ela (como a Michelle Monaghan por exemplo) ou porque é mesmo impossível não olhar. Mas também é sabido que um homem olha para todas. As bonitas porque são bonitas e as feias porque são feias, o que faz com que todos os homens olhem para todas as mulheres. O Molière já falava nisso.

Por vezes, é outra das respostas. Pode olhar para marcar a sua presença viril perante os outros galos da capoeira. Parece complexo? Nada disso, é mais do género: olha lá à vontade que eu sou homem que chegue para a tua provocação e desconsideração de galares a minha mulher nas minhas barbas e até provo isso demonstrando o meu desinteresse no teu interesse e desviando a atenção para algo que tu, que não vales muito, ainda nem estás bem a ver o que é. Nestes casos de exacerbado machismo, chamemos-lhe assim, a mulher é vista unicamente como um objecto. O Lipovetsky já falava nisso.

Sim, a penúltima das respostas. Pode acontecer que o homem seja tão inseguro que procure dessa maneira uma vingança infantil pelo facto de a sua mulher despertar interesse nos outros e pensa que assim, demonstrando ele interesse exagerado nas outras, paga o "despeito" na mesma moeda. Coisa totalmente obtusa, diga-se de passagem. O Henry Miller já falava nisso.

Nunca. Um homem nunca olha para outra mulher se estiver acompanhado. Excepto, naturalmente, se for um ordinário. A minha Avó já falava nisso.

E depois, para concluir, há outro factor importante: a idade. A dele e a dela. E a idade, ao que parece, faz com que a resposta varie. O Bukowski já falava nisso.