31.7.08

a midnight valium for a good night sleep

Esperava-te à porta das UN e na iminência da chuva corremos agarrados para a cobertura do Beekman. Com a vista da Queensboro Bridge e das árvores da Rooselvelt Island camufladas pelo denso nevoeiro falámos pela primeira vez do futuro. Não do teu ou do meu, que nos soaria sempre a um reflexo insignificante da disfarçada culpa burguesa, mas do das sombras que passavam pelas janelas dos edifícios em frente. De como falando do seu futuro lhes demos um passado; vidas e nomes a manchas solitárias que se sentiam por detrás das fachadas de vidro. E só depois de essa jogada esquiva e de outro gin tónico falámos de ti e de mim: de duas pessoas das quais uma não acredita em nada até prova em contrário e de outra que até prova em contrário acredita em tudo. Foi exactamente naquele princípio de noite chuvosa de Verão que encontrei em ti a minha antítese. E talvez o meu equilíbrio.

transe

Michiko (Michiyo Aratama) em 'The Human Condition' de Masaki Kobayashi

a impossibilidade de partir

Numa short-story de Paul Bowles encontro uma passagem magnífica sobre o porquê da impossibilidade de partir. Duas linhas cruas que me rasgam a fronte como uma navalha afiada.

29.7.08

hasselblad

Hustler's blade. Ou a espada do Samurai.

da vastidão



Se em 'Samurai Rebellion' há uma fotografia minimalista e irrepreensível de Kazuo Yamada, o resultado alcançado na 'Condição Humana', com largas panorâmicas a preto e branco por Yoshio Miyajima, não lhe fica atrás. E na primeira parte, 'No Greater Love', há um terceiro protagonista na história paralela de Kaji e Michiko: a vastidão da paisagem nas minas da Manchúria.

Ou então, como disse o crítico do Village Voice Aaron Hillis, com estes scopes "John Ford called from beyond the grave; he wants his clouds back".

ainda sobre o cinema de kobayashi; a consciência social

A visualização de 'Ningen no Joken' ('A Condição Humana', 1959/61), épico de quase dez horas dividido em três partes, vem reforçar as impressões que tinha já sobre o cinema de Masaki Kobayashi. Contudo pareceu-me agora que para o cineasta, na 'Condição Humana', o sacrifício não é apenas um "discreto fio condutor" mas sim o mote. Alcançar a justiça e a honra é uma necessidade absoluta e imprescindível e o Sacrifício o único meio para o fazer.

Kobayashi, que como muitos outros na ressaca do neo-realismo italiano entendeu (e utilizava) o cinema como um veículo de crítica social, serviu seis anos no Exército Imperial Japonês, período do qual revela que despertou e afiou a sua consciência social. Recusou nesses anos qualquer promoção — mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, na qual esteve sempre ao lado dos seus camaradas de trincheira. Em tal acto denunciou a brutalidade e a crueldade dos oficiais e o seu desprezo pela vida humana. E se por um lado aponta essa crueldade daqueles a que chamou os fascistas japoneses, por outro lado também não poupou o extremo dos socialistas soviéticos, mostrando que o ódio, o desprezo e a desumanidade, tal como em campos opostos o estoicismo e o sacrifício, fazem todos parte da condição humana.

26.7.08

lost my phone | lost in translation

Perdi o telemóvel na sexta-feira à tarde e com ele a lista de contactos. Entretanto liguei para a Missão e já tinhas saído para o fim-de-semana. Lembrei-me de teres mencionado algures os screenings do MoMA e atravessei a cidade num táxi a duzentos à hora. Quando cheguei já estava fechado.

Dizias 'Lost in translation'? melhor seria impossível.

24.7.08

american owned

'American Owned',July 2008, copyright PDB

de duas a seis semanas

Em Elisabeth Town, depois de atravessar o ghetto e cruzar toda a East Jersey Road chega-se finalmente àquele que é o maior porto da Costa Este dos Estados Unidos. Num diner ao lado da doca seca misturam-se as tripulações em terra com os empregados da alfândega e outros locais. Depois de interpelado, um segundo-imediato explicava-me que o tempo de duração da viagem poderá ser de duas semanas a mês e meio e que o que mais convêm é "não ter planos ou datas a cumprir a partir do momento em que se entra a bordo". Num cargueiro, ao contrário de num cruzeiro, factores como o tipo de carga ou as condições do mar fazem com que o tempo da viagem dependa sempre de um considerável conjunto de incógnitas.

Coisa que não fará mal nenhum; para o regresso (de férias ou não) à Europa tempo é coisa que tenho.

**

Duas a seis semanas no mar sem ver uma única mulher? Parece que há alturas para tudo na vida, inclusive para grandes, grandes sacrifícios. Se assim for, restar-me-á a lap-dance da Diablo Cody via webcam que o Ricardo Gross me mostrou. Obrigado; não há como bad girls para manter um homem alive.

das pensões

Revelou-me alguma preocupação pelas condições a que aparentemente estaria a sujeitar-me. É certo que à primeira vista a pensão chinesa será de facto um local periclitante; mas há que ir mais atrás no tempo e relembrar outras geografias nocturnas solitárias. E depois de tal exercício, revendo a memória desses outros lugares no Sul da Ásia, na América Central ou no Magreb, a lodge de Chinatown não é mais do que um tímido parente afastado. E refiro-me por exemplo às noites em Chittagong, cidade onde fotografava as indústrias do Shipbreaking nos arrabaldes, e do pânico que os ataques suicidas do Jama'atul Mujahideen Bangladesh causaram: êxodo em massa temporário e um recolher obrigatório; ou também da noite na qual uma septicemia me fez vomitar sangue e tremer até à exaustão num bordel à beira da estrada a caminho de Bhavnagar. Dois casos apenas e vê-se imediatamente o óbvio: a pensão chinesa é um luxo asiático.

No worries about it.

19.7.08

os dias do china hotel (2)

china hotel, july 2008, copyright PDB china hotel, july 2008, copyright PDB

os dias do china hotel

Ao todo, desde que larguei o apt da Village, foram sete as noites passadas no cubículo 419 de uma lodge em Chinatown. O quarto andar desta pensão não funciona como os restantes três que alugam quartos a chineses no compasso de espera da partida para Boston ou Washington. Este último piso tem as características de uma Komuna. Nos corredores, que pertencem a todos, estende-se a roupa esfregada no lavatório metálico da casa-de-banho comum e lá se deixa a secar inundando o chão de água amarelada; é também onde se deixam os sapatos, os fogões portáteis, os tachos, as panelas e toda uma parafernália inimaginável de objectos. Nos cubículos pouco mais cabe do que uma cama; ou melhor, do que um catre. Uma ventoinha aparafusada à parede, no caso do meu, também cabe. Os anúncios em mandarim estão por todo o lado, tal como os jornais chineses cheios de gordura que servem de guardanapos. A zona de convívio é na plataforma exterior da escada ferrugenta de emergência. Todos ignoramos os sinais de 'proibido fumar'. Os comunitários são homens (e uma mulher) de todas as idades. Nenhum fala inglês; ou pelo menos nenhum fala inglês comigo. O diálogo é inexistente, fazendo com que eu não seja mais do que um exilado no exílio dos outros. Ignoram-me. Rejeitam-me. Não sou um deles.

Noite dentro percorro os corredores, de Hasselblad e fotómetro na mãos, e faço as fotos que hão-de ficar para a Posteridade como a prova destes dias de Purgatório.

**

Eu sei que no meio dos chineses não sou um deles. Mas a questão é que acho cada vez mais que não sou um deles com quem e onde quer que esteja.

16.7.08

city entrance

15.7.08

América; dez alíneas para uma viagem de 3000km

1) paisagem: nesta zona do país é verdejante e fresca, de suaves promontórios. Uma das principais actividades dos estados do Tennessee e da Virgínia é a criação de gado, a par da produção de algodão, no primeiro, e de tabaco, no caso do segundo. A paisagem revela isso mesmo. Longos pastos húmidos alternam com extensos campos de cultivo que acompanham a estrada por horas a fio. Igualmente extenso é o número de quintas que povoam a paisagem com a sua iconografia típica: a casa-mãe, o celeiro ao lado e a roda-de-vento. Tudo ao pôr-do-sol, como num quadro de Hopper.

2) urbanismo: o urbanismo das cidades norte-americanas é sempre o reconhecido, fácil e aborrecido grid-plan, no qual as ruas e avenidas se intersectam perpendicularmente originando uma quadrícula ou uma grelha urbana ortogonal. Assim ninguém se perde, o que acredito que visto nesses termos possa ser uma vantagem.

3) suburbia: numa terra de vastidão, a disposição das habitações nas zonas suburbanas não se traduz numa concentração em altura de tipologias multifamiliares, ou high-housing, mas sim na expansão territorial de tipologias unifamiliares. Este fenómeno é conhecido como Suburban Sprawl. Com base na quadrícula urbana ortogonal, referida na alínea anterior, os subúrbios estendem-se por quilómetros e quilómetros, fazendo com que a utilização do automóvel seja imprescindível ou mesmo obrigatória. É também nos subúrbios que se encontram os melhores vestígios da Americana, essa identidade tão explorada nos campos da Literatura e da Fotografia (e por vezes no cinema independente). A imagética do patriotismo e do consumismo inunda as ruas, os quintais, os autocarros escolares, as grandes superfícies comerciais e os parques de estacionamento.

4) cosmopolitismo: Tocqueville em 'De la démocratie en Amérique' já caracterizava o povo norte-americano como uma justaposição — e iminente conflito — de três diferentes raças: branca, negra, ameríndia. Quase dois séculos depois a raça índia, ou american native, tem uma percentagem insignificante na maior parte dos estados dos EUA; contudo uma outra raça — de génese ameríndia, mas diferente daquela que Tocqueville descreveu — assume-se como a terceira maior do país: a latino-americana. Actualmente cerca de 20% da população já é de expressão espanhola como a língua nativa. Apesar de esta mistura tri-racial ser claramente visível, os EUA não são um país essencialmente cosmopolita como o é a cidade de Nova Iorque, palco social onde coabitam todas as religiões e raças do mundo. Mesmo assim, no interior rural essa mistura tri-racial é também perceptível; sobretudo do ponto de vista económico, sendo quase sempre a raça indicador do presente status. As estatísticas apontam que 80% daqueles que vivem no limiar da pobreza sejam de raça negra. Isso é claro em todo o lado; cidade ou campo.

5) american owened: para os norte-americanos o termo red neck será algo como campónio. Não sendo ostensivamente ofensiva, a expressão tem mesmo assim um carácter pejorativo. Os Red Necks povoam o interior da América, têm sotaques que dão origem a escárnio e gozo e são tidos como culturalmente embaraçosos para a imagem global do Norte-Americano. Há neles também uma tendência xenófoba e racista. Xenófoba perante as hordas de emigrantes latino-americanos e racista perante os negros, obviamente, mas também em relação ao white trash, uma percentagem de brancos desempregados, párias sociais e vagabundos. A expressão 'american owened', que funciona como um rótulo, encontra-se frequentemente à beira da estrada, adjacente aos sinais de motéis, restaurantes e supermercados. No fundo, marca um território.

6) informação: a qualidade das notícias nos EUA está abaixo do nível mínimo exigido a um país democrático. Refiro-me apenas à televisão pública, pois oferece os noticiários mais merdosos que alguma vez assisti na minha vida. No espaço público, a informação que conta é negligenciada e enche-se a emissão com lixo noticioso, da escala local à global. Para informação ampla, diversificada e rigorosa há que pagar a cable tv. Também o acesso aos jornais diários de maior credibilidade é inexistente em diversas partes, estando apenas disponíveis os tablóides popularuchos. Até mesmo na cidade de Nova Iorque não é possível encontrar o NY Times nalgumas zonas do Harlem ou em Coney Island. Tudo isto demonstra que o direito e acesso a uma informação nítida está intrinsecamente ligado ao factor económico, fenómeno que origina posteriormente desinteresse e ignorância dos factos reais de uma grande percentagem da sociedade. E como as opiniões se baseiam em factos, convém que estes sejam correctos.

7) patriotismo: A América é o país dos patriotas. Nos subúrbios as bandeiras pululam de todas as janelas e alpendres. Igualmente por todo o lado se vêem autocolantes de Proud to be an American ou outros de apoio à guerra a às nossas tropas. A genérica utilização de armas de fogo por parte dos civis demonstra que tal não é apenas para "o direito à defesa pessoal, a primeira lei da Natureza" ou como "uma prevenção ao crime", como afirma a Tennessee Firearms Association, mas também para a protecção dos valores americanos: a protecção da Pátria, moral e fisicamente.

8) desperate housewives: parece-me que nos subúrbios a percentagem de mulheres consideradas domésticas é alta. Embora os seus gostos sejam discutíveis, apesar de que gostos não se discutem, as donas-de casa passeiam-se pelos supermercados arranjadas e provocadoras na sua sensualidade feminina. Algumas com os filhos, outras sozinhas, mas todas muito loiras e bronzeadas. Os subúrbios norte-americanos são o El Dorado para os apreciadores de milfs e para os jovens adultos do sexo masculino que cortam a relva nos dias de semana à tarde, enquanto os maridos delas estão a trabalhar.

9) alimentação: a maioria da disponível ao público é a das cadeias internacionais, e algumas locais, de fast-food. Os sinais a anunciar hambúrgueres, pizas, frango frito ou marisco frito a $2.99 estão espalhados repetidamente ao longo da estrada e nos centros urbanos. A oferta alimentar é barata e deplorável. Tudo vem com a (obrigatória por lei) tabela de nutrition facts, para que o consumidor tenha a noção da quantidade de calorias que ingere. Mesmo assim, este ano a América atingiu o maior número de casos de obesidade desde sempre. O plástico engorda. E em última análise faz pior que o tabaco, tal como a longo prazo as suas complicações serão mais dispendiosas ao estado.

10) geografia: todas as pessoas com quem me cruzei não sabiam onde fica Portugal. Mas também não é de estranhar. Eu próprio, antes desta viagem, também não sabia exactamente onde ficava o Tennessee, estado com quase 6 milhões de habitantes e que ocupa um território maior do que Portugal. É, como tudo na vida, uma questão de interesses; ninguém leva a mal.

**

Todas as alíneas reflectem as impressões apenas dos sítios por onde passei nesta viagem: Pensilvânia, Maryland, Virgínia e Tennessee.

14.7.08

3000 km e barba de sete dias



Ir, andar por lá a fazer nem sei bem o quê, e voltar.

10.7.08

da road-trip

E quando dei por mim estava já nos arrabaldes de Nashville, no Tennessee, abrigado de uma tempestade de Verão com ventos que partiam ramos de árvores, e a escutar na televisão, como todos os demais naquele diner, as impressões do ataque ao consulado norte-americano em Istambul. E para já uma coisa é verdade: Nova Iorque não é América. Nunca um lugar-comum foi tão verdadeiro.

8.7.08

'samurai rebellion'

'Samurai Rebellion' (1967)'Samurai Rebellion' (1967)
'Samurai Rebellion' (1967)'Samurai Rebellion' (1967)

Numa fotografia minimalista e irrepreensível de Kazuo Yamada.

o cinema de Kobayashi; quando o sacrifício compensa

O cinema de Masaki Kobayashi possui aquela característica subliminar comum a todos os românticos de que o sacrifício, em prol de algo maior, compensa. Tal não é mostrado de uma forma explícita ou voluntária, como num opúsculo católico medieval; é antes um discreto fio condutor que une a narrativa e aparece na forma da procura do sentido de justiça. Essa procura — ou o acto de sacrifício — camufla e atenua o sofrimento, pois atingir o resultado — ou o justo — é a aspiração maior das suas personagens.

Comparando 'Samurai Rebellion' (1967) e 'Black River' (1957), cujos cenários de acção são física e temporalmente díspares, sente-se em ambos a mensagem de que na luta pelos ideais e pela liberdade vale a pena perder tudo — inclusive a vida. Mas para isso, claro está, o Ideal tem de superar a Cobardia.

No cinema de Kobayashi, ao contrário de na Doutrina Estóica, Sofrimento e Paixão existem como uma opção pessoal, prevalecendo sobre a Razão. Comigo, terei de acrescentar, passa-se exactamente a mesma merda. Agora veja-se onde isso me deixou.

7.7.08

a máscara de nixon

'Nixon Mask', por Hunter S. Thompson

O Caçador, à semelhança de Mailer, também não gostava de presidentes republicanos.
A foto: 'Nixon Mask', por Hunter S. Thompson.

the football season is over

Hunter Stockton Thompson aos 67 fartou-se e enquanto a nora e o neto jogavam na sala do lado, o seu filho lhes tirava uma fotografia e a mulher falava do ginásio com ele ao telefone, estoirou os miolos com um revólver .45 da sua colecção de armas de fogo. O bilhete que entregara quatro dias antes à sua mulher, com o título 'The football season is over', foi entendido como a nota de suícidio:

"No More Games. No More Bombs. No More Walking. No More Fun. No More Swimming. 67. That is 17 years past 50. 17 more than I needed or wanted. Boring. I am always bitchy. No Fun — for anybody. 67. You are getting Greedy. Act your old age. Relax — This won't hurt".


**

Repito o post que escrevi pouco depois da morte Hunter S. Thompson (1937-2005) para assinalar a estreia de 'Gonzo: The Life and Work of Hunter S. Thompson'. O documentário, carregado de testemunhos de pessoas que de algum modo acompanharam Hunter —de amigos a políticos— e de dezenas de vídeos de arquivo mostrando-o nas mais diversas actividades, foca os momentos-chave do escritor/jornalista norte-americano: a reportagem, como elemento infiltrado, sobre os Hells Angels (que lhe valeu uma valente sova quando foi descoberto); a candidatura 'Freak Power' a xerife de Pitkin County no Colorado; a célebre viagem que deu origem ao livro 'Fear and Loathing in Las Vegas'; a criação do Gonzo Journalism; os anos da Rolling Stone; a dedicação a McGovern nas Primárias do Partido Democrata de '72 e os últimos anos passados em Woody Creek numa vertigem de drogas, como sempre, orgias e armas de fogo.

Vinte anos antes de morrer descreveu para uma câmara, com as montanhas do Colorado como cenário, como seria naquele sítio o seu funeral. Quando o dia chegou os amigos fizeram-lhe a vontade.

6.7.08

those ghostly traces, photographs

'The Americans', copyright de Robert Frank

american surfaces

Afinal as caixas não ficaram num armazém em Brooklyn mas num cubículo em Chinatown; o essencial é que com elas deixo para trás outras coisas que não me interessam nos próximos tempos: as team meetings, as conference-calls, a 'hora-de-almoço' e o par de sapatos ingleses em dias de Client Presentation — tudo o que me lembra a vida das nove às cinco. Agora, na pequena mochila de lona que trago comigo renego o supérfluo, resumo o essencial: um par de livros, as máquinas-fotográficas, este laptop (um supérfluo essencial), uns calções de banho e apenas meia-dúzia de peças de roupa, pois nesta terra de autómatos há laundromats por todo o lado.

Com o 'The Americans' de Robert Frank e o 'American Surfaces' de Stephen Shore no horizonte, estou finalmente pronto para a road-trip pela América; daqui até não-sei-ainda-bem-onde.
Até onde der, calculo.

4.7.08

the fourth of july

Hoje, o 'Independence Day'. E não poderia ser mais rigoroso dizer que para além de assinalar a data da promulgação da Declaração de Independência da América em 1776 assinala a minha também. Literalmente.

o meu tributo

'Suburbia'. Remember please: copyright PDB 'Suburbia'. Remember please: copyright PDB

a Richard Misrach.
(díptico, Suburbia, Julho 2008)

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2.7.08

os despojos da vida

Revejo as caixas seladas com fita adesiva; as dos livros, as que contêm a roupa de casa e um par delas com os casacões de Inverno. O espaço agora parece maior, mais luminoso, de paredes brancas despojadas dos postais e fotografias, apenas com os caixotes castanhos de papelão e um par de malas pretas gigantes a um canto ao pé da porta; há também algumas peças de mobiliário, macabramente embrulhadas em plástico negro. No bolso tenho a direcção de um armazém em Brooklyn que aluga parcelas de quatro metros cúbicos para arrumos por sessenta dólares ao mês. Abro a porta da rua e assobio, como nos filmes, ao próximo táxi que passar.

Para Brooklyn, se faz favor, antes de a noite cair.

a midnight valium for a good night sleep

Reforça Borges, em 'Siete Noches', que nas 'Mil e Uma Noites, os Contos de Sherazade' há fortes ecos do Ocidente que se infiltraram na oralidade oriental. Sinbad 'o Marinheiro', magno herói da epopeia popular persa, não é mais do que um avatar de Ulisses, o errante rei de Ítaca. Ainda sobre o mesmo tema o escritor argentino menciona os confabulatores nocturni, homens misteriosos que à semelhança de Sherazade —embora com diferentes propósitos— relatavam contos durante a noite. Ao que parece, o primeiro homem a reunir estes confabulatores nocturni foi Alexandre da Macedónia, utilizando-os precisamente como distracção perante as insónias.

Relembro-me da praça Jemaa El Fna em Marraquexe, Património da Humanidade pela Oralidade, cujo nome significa 'Assembleia dos Mortos', onde ainda hoje é possível ver os contadores de histórias distraírem pequenas multidões depois de o sol cair.

No fundo, os confabulatores nocturni são o Valium da pré-modernidade. Que se escreva isso lá nas sebentas da Clássica.