24.11.10

O arquitecto Elis Vergerus, no 'En Passion' (1969) de Ingmar Bergman, (com uma Direcção de Fotografia —como sempre irrepreensível— de Sven Nykvist), sobre a sua impressionante e invejável colecção de imagens e recortes.

fotograma de 'En Passion', de Ingmar Bergman

Elis Vergerus: In the beginning I collected all kind of pictures, those I took myself, and those from newspapers, magazines, and old photo albums. They're always about people. Here we have people eating. People asleep, people in the grip of violent emotions in different sections. Once I collected only pictures of violent acts. I've catalogued them according to behaviour. An irrational classification just as meaningless as the collecting itself. There are faces, close-ups.

23.11.10

all an american way



Embora não sendo um dos meus favoritos, o trabalho do já por aqui referenciado Lee Friedlander interessa-me bastante na perspectiva de catalogação das paisagens semiurbanas e sociedade norte-americanas. 'American Monument' (1976), 'At Work' (1983) ou 'Sticks and Stones' (2003) são disso exemplos; tal como o recente 'American Way', agora patente ao público no Whitney Museum. Esta exposição, ao contrário do que seria de esperar, é pequena. Ocupa apenas as duas salas da mezzanine do museu. Como se pode ler no texto à entrada, a contenção espacial foi um pedido explícito do artista para que o espectador pudesse experienciar a vivência visual explosiva de um condutor pelas estradas americanas. São cerca de duzentas fotografias alinhadas em duas filas horizontais contínuas. Nelas podemos ver imagens tiradas unicamente a partir do interior de automóveis, nas quais Friedlander incorpora a máquina enfatizando o elemento efémero —de passagem, como ele próprio— na perenidade da paisagem. À semelhança de muitos outros trabalhos de Friedlander, 'American Way' teve mais de uma década de pesquisa. Neste caso, quinze anos. De 1995 e 2010.

diferenças elementares

São coisas bem diferentes, «mulheres que pensam por si» e «mulheres que só pensam em si».

22.11.10

on collecting, untitled america

Entre os alfarrabistas da Village e as lojas de velharias de Brooklyn encontro paulatinamente novos elementos para a minha colecção. Não pretendo com ela o mesmo que Alan Berliner no seu 'The Family Album' nem tão-pouco tento o mesmo efeito daquela tarde de 2007. Interessam-me agora imagens estranhas, alheias —no que toca à minha esfera familiar— mas que sejam representativas de um zeitgeist muito específico do meu imaginário. A exploração pós-modernista do fim do American Dream (e a sua antecessora prodigalização) não me seduz(em) apenas nos campos da Literatura, do Cinema ou da Fotografia. Sabendo que nestas áreas a referida exploração é uma representação do real, tento agora encontrá-la na sua génese: a Realidade propriamente dita. Tambem representações do real, embora a outro nível, as snapshots amadoras são a cristalização (obrigado Sthendal) dessa realidade e a prova (obrigado Barthes) da passagem e metamorfose social (obrigado Gisele Freund) desses trinta anos. Por questões de empatia com o mesmo meio que eu utilizo, selecciono unicamente as tomadas em médio-formato, a cores, com ou sem margem, feitas entre 1950 e 1980. Compilo-as por temas e cenários: de noites de festa a tardes de barbecue; de relvados a salas de jantar. Depois, num acto romanesco, adiciono-lhes um pouco da ficção baseada nas influências que sofri precisamente pela Literatura, pelo Cinema, pela Fotografia. Neste movimento, porventura elíptico, encontro no resultado final aquilo a que chamei 'Untitled America'. Para breve.

21.11.10

dos gestos

fotograma de 'Le Genou de Claire', de Eric Rohmer

Dias depois de consumado o seu acto semi-platónico com a jovem Claire, na qual toca lenta e circularmente no joelho nu ao revelar-lhe a traição do namorado, Jerome explica à sua velha amiga Aurora que aquilo que ele considerou um gesto de desejo foi entendido como um gesto de consolação. Na maior parte das vezes o que acontece parece ser o contrário: gestos de consolação entendidos como gestos de desejo. Mas também há casos onde gestos de desejo são dados por consolação. Num mundo de dar e receber, o erro e a piedade calham a todos.

19.11.10

o corpo inabitado

Vivemos todos em auriculares. Fugindo dos outros. Fugindo de nós.

a casa inabitada

Será sempre aquela que, tendo gente, afinal não tem ninguém.

15.11.10

fotograma de L'Avventura' (1960), de Michelangelo Antonioni

Há mulheres assim: quanto menos conversa, melhor.

imamura em williamsburg

De todos os filmes que Shohei Imamura fez com os estúdios Nikkatsu, apenas vi três. E foi precisamente por causa desses três e da polémica que causaram que o realizador abandonou a colaboração com o estúdio para criar a sua própria produtora. Num livrinho de um ciclo da Cinemateca de Ontário que já por aqui mencionei algures, Imamura refere que precisava de mais liberdade e menos censura, de modo a poder concretizar os seus projectos e cunhar uma visão pessoal ao seu cinema. De qualquer modo, quanto a mim, a produção da Nikkatsu interessou-me desde essa leitura. Tentei descobrir os seus principais intervenientes (dos quais nunca hei-de decorar os nomes) e as tendências e direcções por eles seguidas e modeladas. Como os franceses, também os japoneses foram abismalmente influenciados pelo cinema noir norte-americano do pós-guerra. Com base nisso, criaram um estilo muito próprio caracterizado por uma violência visual extrema — que não deixa de conter um qualquer sentimento de revolta pela derrota da 2ª Guerra Mundial. Meia-dúzia desses populares potboilers da Nikkatsu (um pout-pourri de hardboiled, western e rebel youth) dos anos 50 e 60, na altura sucessos comerciais no Japão, são agora recuperados pela Criterion numa colecção intitulada 'Nikkatsu Noir'. Por isso, caro amigo, vem que Suzuki, Furukawa e Nomura estarão à tua espera aqui por Williamsburg. Com jeito, algum Imamura também.

14.11.10

grande formato, ainda maior peso

Sempre que o bom tempo deixa, faço a pé para casa o caminho entre a escola em Midtown e a minha estação de metro da Village em Union Square. Ontem, como habitualmente, repeti as trinta ruas mas com um peso extra: a nova câmara de grande formato e todos os acessórios às costas. Resumindo, vinte e dois quilos adicionais. Já Ansel Adams, no seu 'The Camera' de 1948, avisava desde logo: there is no question that using a view large-format camera requires some physical stamina. É verdade. Comparativamente, o jogging —que também requires some physical stamina— não cansa tanto.

10.11.10

cameras and mirrors

self-portrait, ilse bing

Em Ilse Bing, vi-te a ti.

in the suburbs or something

A América de Patti Smith não é a mesma de Cheever ou Yates. Numa desculpabilização —mais de «estilo» do que moral— pelo facto de Sam Shepard ser casado na altura do affair, afirmou: I mean, it wasn't like committing adultery in the suburbs or something.

8.11.10

two random years

Casado pela segunda vez desde 1982 com Jessica Lange (ganda'homem), Sam Shepard viveu anos antes, nos '70, uma breve relação com a escritora-rockeira Patti Smith. Desse período, no qual Shepard fez um interregno sentimental da primeira mulher, Smith dedicou-lhe uma série de poemas e escreveu 'Sam Shepard: 9 Random Years (7+2)'. Tiveram uma relação tumultuosa, no mínimo, em que cenas de gritaria e pancadaria faziam parte de um quotidiano dividido entre um quarto no Chelsea Hotel e o loft que Smith partilhava com o fotógrafo e amigo Robert Mapplethorpe. Escreviam juntos, drogavam-se juntos, dormiam juntos. Smith disse que tudo o que se ouviu sobre eles desses tempos é verdade. O romance foi curto. Shepard voltou para a mulher e filho e, com eles, foi viver para Londres. Fugindo de Patti Smith e da vida boémia e louca da Village nova-iorquina. Smith —a ícone-punk, irreverente, agressiva— ao que dizem, ficou destroçada.

two random years later

De novo assíduo da Strand, a livraria por excelência da Village (também gosto da St. Marks, na 3rd Ave.), reparo no fenómeno: Bukowski, outrora espalhado e disperso por toda a loja, ocupa agora, quase dois anos depois, uma estante no corredor central. Nela, apenas ele e toda a sua obra; da ficção autobiográfica à poesia.
O velho gaiteiro virou mainstream.
O pós-modernismo não morreu.

4.11.10

nostalgie de la boue



Esse «desejo
ou atracção
para a crueza, vulgaridade,
depravação».
Oh yeah.

3.11.10

sixties by the poolside

copyright Slim Aarons

Doisneau andou por lá.
Mas o território já era e sempre foi de Slim Aarons.

palm springs, 1960

Em 1960, a pedido da revista Fortune, Robert Doisneau viajou até Palm Springs para fotografar o lifestyle da classe alta norte-americana. Publicaram-se no artigo cerca de vinte imagens escolhidas entre as centenas de fotografias. O grosso desse trabalho, agora pela primeira vez revelado em 'Palm Springs, 1960' (Ed. Flammarion, 2010), não deixa de produzir um efeito curioso: foi um francês correligionário do cliché do instante decisivo e do realismo poético a preto-e-branco o precursor do american color snapshot? Sem dúvida anos antes de Eggleston, Brown, Shore, Winogrand ou outros que tais. Se sim, que a História da Fotografia se reescreva aqui. Para alívio, a resposta é «não».

de la bourgeoisie en Amérique

Enviado francês para registar os americanos, Robert Doisneau foi uma espécie de Tocqueville do século XX. Com fotografias em lugar de texto e burguesia em lugar de democracia.

2.11.10

it's a real thing

No começo da sua carreira, Shepard teve uma colaboração importante com o grupo experimental nova-iorquino Open Theater, de Joseph Chaikin. Um dos principais temas explorados pelo colectivo era o das «transformações», exercícios nos quais os actores mudavam repentinamente, em pleno palco, de cena e de personagem, adoptando novas posturas e criando novos ambientes. Em 'True West' há óbvios vestígios desta aproximação conceptual, embora de uma forma mais subtil. O pacato e bem sucedido Austin vai lentamente assumindo os comportamentos do seu irascível e vagabundo irmão, Lee. Pela provocação, inicialmente, até que chega ao momento claro de ruptura e o sobrepõe, revelando ser ainda pior do que ele; revelando ser capaz de piores actos. Uma aparente transição de carácter de algo que afinal já existia interiormente. Como disse Shepard, it's a real thing, double nature.
Sam Shepard e Jessica Lange

true west

Na introdução à compilação de sete peças de Sam Shepard, o crítico Richard Gilman reconhece no teatro do norte-americano influências do realista Jack Gelber, iniciais, ou as posteriores dos britânicos Harold Pinter e Edward Bond — eu acrescentaria Eugene O'Neill. Refere ainda que o trabalho de Shepard, enquanto dramaturgo, foi rotulado de «poderoso», «sinistro», «gótico», «surrealista». Em 'True West', a peça que Gilman diz ser a menos típica de Shepard, encontram-se — à partida — elementos mais mundanos do que os que caracterizam a generalidade do seu trabalho: um encontro entre irmãos, adultos, em casa da mãe que está ausente em férias. Porém, no desenrolar da acção, a tensão cresce a par e passo com um ar de ameaça latente, culminando num acto violento e fratricida. Neste percurso em nove cenas, Shepard ilustra uma paisagem doméstica contemporânea, desiludida e perdida, análoga de uma outra paisagem: o American Dream. É neste ponto que reconheço a maior de todas as influências em Shepard: a sua geração. As questões de estilo, pausa ou diálogo, perante isto, são claramente menores. Em 'True West', quanto mais não seja.