27.5.11

our first breuer chairs together



«Marcel Breuer's revolutionary 1928 Cesca chair marries
user-friendly caning and wood with the industrial-age
aesthetic of cantilevered tubular steel».

Compramos em Lisboa as nossas primeiras Cescas side-chairs do Breuer em conjunto (tu já tinhas uma) nos dias que antecedem o meu regresso definitivo a Nova Iorque. Elas não são assim apenas «o nosso primeiro legado comum». São também uma subtil prova de continuidade e desejo: desejo de continuidade e continuidade de desejo. Eu vou e logo a seguir irás tu e talvez um dia qualquer as cadeiras por lá se juntem a nós. Mas isso não é verdadeiramente importante. Mais do que as Cescas são, é o que elas representam. Um futuro. Eu e tu, in our gang of two.

before the sun rises

No jogging, e em muitos outros desportos, o corpo é submetido a uma prova de resistência tal como a mente o é a uma prova de exigência: mais rápido, mais força, mais um sprint, mais uma volta; mais, mais, mais. Este conjunto de ordens mentais, depois de concluídas, produzem uma satisfação atlética que faz com que o dia, de alguma forma, comece mais completo pois a prática do desporto é fundamental para atingir um estado de espírito elevado. Mas tal também provoca um desgaste físico no nosso lado primitivo: corre-se para a exaustão do animal que há em nós. E com ele de rastos, podemos ser um aparentemente tranquilo peão na cidade ordenada, contemporânea, hipócrita e mesquinha.

18.5.11



«We will always be able to make films. When I saw 'Voyage in Italy', I knew you could shoot a two-hour film with a couple in an automobile. I've never done that, but I've always kept it as a security».

Jean-Luc Godard, The Future(s) of Film
Three Interviews 2000/1, página 42
Tradução de John O'Toole

17.5.11

como disse Godard,



«vivre sa vie».

madrugada

Lá estava, como sempre que foi preciso, o nascer do sol ao longo do rio para acompanhar a minha purga. O ritmo das passadas era marcado pelos trocos soltos no bolso esquerdo do impermeável / cling, clang / que me despertavam de alguma forma do torpor mental / cling, clang / em que me deixara cair durante a corrida frenética / cling, clang / imaginando o teu corpo abandonado e desprotegido / cling, clang / esquecido em cima da cama. Procurei-te depois e não estavas. Ou estavas e não quiseste abrir.

dia doze de maio

O dia é o da véspera do culto. A estrada está enfeitada por peregrinos com coletes reflectores que caminham em fila-indiana pelas parcas bermas em direcção ao Santuário. Cruzamo-nos de quando em quando. Abrandam o passo pela curiosidade que a minha tarefa lhes desperta. Talvez estranhem o meu propósito, vendo-me assim —com todo o calor que se faz sentir— camuflado pela capa preta debaixo da câmara de grande-formato. Depois continuam. Eles e eu; cada um à sua promessa, cada um ao seu castigo. Cada um à sua fé.

14.5.11

in the middle (of some) east



Two guys in a van nearby a construction site, Kuwait, 2011
C-Print, 120x95cm, da série 'Middle (of some) East'
Copyright PDB

10.5.11

golpe baixo, treino



Republican militia woman training on the beach outside Barcelona, August 1936
Gerda Taro, Gelatin silver print, International Center of Photography NYC

8.5.11

virtudes

Quando se entra em Virtudes notam-se os homens que andam sem olhar em frente e as mulheres que passam ocultas entre a própria sombra. Não se vêem. Uns e outros, uns aos outros. O desejo de romance existe mas lento e tímido, debaixo das pedras da calçada, colapsado pelo legado da vergonha católica. Virtude, gritou o homem que a fundou. E assim o respeitaram os seus seguidores.

baixos

Ao terminar a conversa a vela está quase no fim. Alguma cera derramou para fora da palmatória criando geografias grotescas no tampo de madeira sebento. A chuva ainda se faz ouvir ao cair no telheiro de zinco num ritmo melódico de noite de Verão. A mulher leva os copos sujos para dentro deixando-nos de mesa vazia e olhos nos olhos. O velho acompanha-me à porta sem sorrisos e despede-se com um aceno seco. Cá fora, outra vez por minha conta, culpado por mexer nos horrores dos outros, arranco de carro com cuidado pelo estreito carreiro. A morte de quem gostamos nunca é fácil, dissera-me ele no dia anterior pelo portão de ferro à chegada do desconhecido.

covões

Dias sombrios, contava o dono da pensão ao final da aldeira, foi o que passaram os que por lá nasceram e morreram. Hoje já não há ninguém: para nascer ou morrer, acrescentou. Desapareceram todos; da sua vista e ainda mais da sua memória. Está sozinho, rodeado por quartos forrados a rendas bafientas, abandonados ao vento que entra pelas vidraças partidas. Um cão acompanha-o, tão velho como ele e igualmente só.

4.5.11

47 ronin (2)



Badlands, (1973)
de Terrence Malick

Já Adorno, antes dos demais, previra o inevitável:
um dia o automóvel tornar-nos-ia em vagabundos sem-abrigo.

47 ronin

A estrada nacional e tudo o que ela representa, tal como tudo o que a define, são há muito um subject da minha pesquisa interdisciplinar. Viajar pelo centro do país —pela estrada nacional— permite-me sempre uma nova perspectiva sobre algumas das coisas que me interessam explorar. «Aponto» agora o que não fotografo, deixando a escrita completar o quadrinómio daquilo que porventura eu possa querer. O samurai errante em mim reclama assim a sua liberdade. Também ele há-de querer algo que eu possa compreender.

1.5.11

o grito antes do silêncio e o silêncio antes do grito

'Ordet', de Carl Th. Dreyer 'Il Grido', de Antonioni