14.2.08

das traduções

Nunca gostei de ler em castelhano autores estrangeiros ao idioma; corrijo: nunca gostei de ler autores norte-americanos em castelhano. Pois se noutros, como Kapuscinski, Zizek, Tchekov, Bergman ou Barthes, nunca me incomodou a tradução, já em Raymond Carver ou Don DeLillo estas pareciam-me um "atentado" à essência do texto. Lembro-me por exemplo de quando vivia em Barcelona e comprei a versão espanhola do 'The Maltese Falcon' de Dashiell Hammett: 'El Halcón Maltés'. Ao fim da terceira página fui trocar o livro pois ler a palavra 'cariño' saída da boca do Sam Spade só traz à memória os actores-porno de segunda, dobrados em espanhol, que brilhavam nas sessões contínuas das quintas-feiras no canal 18 durante a década de 90. E tal como o Sam Spade em castelhano me soava ao Ron Jeremy, as short-stories do Carver pareciam-me os episódios do 'Anjo na Terra' que eu via quando era miúdo, na casa de um vizinho da minha avó que tinha antena parabólica e a TVE instalada.

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Com toda esta confusão decidi, a partir de determinada altura, ler os norte-americanos em inglês, os de expressão espanhola em espanhol e todos os outros idiomas que desconheço em qualquer um destes dois mencionados ou em português. Por isso acredito que Borges, por exemplo, deve ser lido no original. De preferência, devido ao seu elevado nível de erudição e complexidade, com um bom dicionário ao lado. Ou então, como foi o meu caso, com uma namorada argentina. Apesar de —confesso— com uma namorada argentina ao lado, ler Borges ser a última coisa que me interessava fazer.