31.1.11

regardez vous dans votre miroir



Como Deleuze, quero «um pouco de possível, senão sufoco».

aos meus pares

'Sinais de Fogo', de Jorge de Sena, é —inacabado ou não— um romance completo. Ao início, porém, a sua escrita parece-me artesanal e extemporânea, sem uma clara referência a qualquer estilo ou época, sua ou de outros. Uma escrita-oral, apetece dizer, ou um diálogo informal estabelecido entre narrador e leitor. Depois, a narrativa carregada de reflexões intimistas sobrepõe-se pela sua força visceral e fria, expondo lado a lado a arguta capacidade do autor na leitura da condição humana com a sua visão maioritariamente descrente da mesma. Sena divaga por considerações platónicas e filosóficas carregadas de inquietude e atribulação sentimental. Notável, também, é a galeria de personagens senianas, formadas de um entendimento nítido das forças e vontades individuais e colectivas, de todos e de um. Na paisagem histórica do romance toca-me particularmente a correlação com a minha própria infância. O cenário de uma Figueira da Foz burguesa no Estado Novo tem mecanismos sociais semelhantes aos do Alentejo provinciano da década de 1980: a família, as classes, perda da inocência, as criadas e as putas e as cenas de pancadaria. 'Sinais de Fogo’ não deve por isso ser lido unicamente como uma «autobiografia de Sena», que aparentemente nem o é. É um romance global e único que de carácter autobiográfico talvez tenha tanto de Sena como de muitos nós. Dos meus pares, seguramente terá.

na mesma

«E podia depois, mesmo que tu me deslumbrasses como deslumbraste, continuar a não te amar, e continuar na mesma a entregar-me a ti. Entende isto de uma vez. Podia mesmo julgar que te amava antes, descobrir depois que não te amava, e continuar a entregar-me a ti pelo prazer que me desses, e que me desses não só por seres homem, mas até por, além disso, seres tu. Entende isso».

Pedia, em 'Sinais de Fogo', Mercedes a Jorge, que entendeu.
Eu também entendi.

30.1.11

brecht no ccb, tour-de-force e uma questão de gosto

Não foram precisos mais de cinco minutos para perceber que a versão de 'Mãe Coragem' de Bertold Brecht —em Lisboa no CCB numa encenação livre de João Garcia Miguel—, parece ser uma afilhada estética e contemporânea da tal do National Theater em Londres na qual saí antes do final há ano e meio atrás. No entanto, algumas diferenças fundamentais de salientar. Entre elas uma especificidade da adaptação do original que produziu uma considerável economia de meios humanos: a supressão de personagens. No meu exemplar de 'Mother Courage', (pela Grove Press, NYC, 1961), conto trinta e duas. Na adaptação presente no CCB, são cinco actores para cerca de quinze. Neste tour-de-force, apenas Custódia Gallego (Mãe Coragem) e Sara Ribeiro (a sua filha Muda) se mantêm constantes nos seus papéis ao longo da peça, indo os restantes actores interpretando de forma repartida um número plural de personagens. Tal opção, curiosa —e remota citação às «transformações» de Joseph Chaikin e do seu Open Theater—, acentua um ritmo frenético na narrativa, enfatizando ao mesmo tempo o efeito brechtiano de «distanciação» no espectador. Igualmente merecedor de comentário, positivo, é a metamorfose do elemento central, a carroça da Mãe Coragem, numa estrutura híbrida e múltipla, centrifugadora física da acção. Em contraponto, negativo, a pobre utilização dos tão anunciados elementos multimédia revela-se pouco criativa, banal e despropositada. Para concluir, duas observações finais: a tradução de algum vocabulário vernacular em calão «moderno», desajustado, e a composição excessivamente ridícula das personagens de Eilif e do Capelão, (com wakawaka à mistura), pareceram-me inapropriadas e reveladoras das decisões e interpretações estéticas do encenador. É uma questão de gosto, acrescente-se, e como se costuma dizer gostos não se discutem.

24.1.11

after all Mr. Mailer,

Robert Mitchum; a dançar

tough guys do dance.

uma questão de tradição

Comentava anteontem, ao meu Pai, que na representação da 'Mãe Coragem' do Brecht, no National Theater em Londres há ano e meio atrás, saí antes do final da peça. É compreensível, respondeu-me, pois os ingleses não têm uma tradição particularmente brechtiana. Apesar do seu método de distanciação e ruptura, intervalado por uma tendência vaudevillesca, Brecht não sugere a apropriação pop-rock sonora e visualmente excessiva e explosiva daquela encenação de Deborah Warner. Saí porque achei tudo uma palhaçada forçada e aborrecida. Agora, em Lisboa, teremos 'Mãe Coragem' no CCB. Vou tentar ir. Não propriamente pelo teatro do alemão mas para ver como lidamos nós com essa tal tradição brechtiana. Pelo que sei, «historicamente» não é nada mal.

21.1.11

'The Big Heat' (1953), de Fritz Lang

Bannion: What are you after?
Debby: I don't know. You, I think.

manhattan love song

«It's funny about a man», she went on, as though talking to herself. «In the beginning, they do all the running after you, they can't let you alone, can't live without you. And then just as soon you begin to see things their way, and tell yourself ''Yes, he was right, I can't live without him neither'', they seem to have gotten over it.»

O que a femme fatale Maxime acha divertido num homem, nesta passagem do livro noir de 1932 de Cornell Woolrich, é muito simples. Chama-se «sedução masculina». Acção que faz com que um homem não descanse enquanto não tem a mulher que quer e que já não a queira mais depois de a conseguir. Interessante também perceber, como igualmente demonstrado por Woolrich em 'Manhattan Love Song', que por vezes acontece precisamente o contrário. Uma acção em que um homem não descansa enquanto não tem a mulher que quer e que já não queira mais nada excepto ela depois de a conseguir. A isso chama-se «sedução feminina». Justo, no mínimo, e assim compreensivelmente divertido para uma mulher como Maxime.

20.1.11

first week in motherland

Regressado há dias de mais uma temporada nova-iorquina, escrevi —já com o obrigatório afastamento sobre o assunto— um post acerca do meu descrédito num par de intituições, cujos nomes por decoro não revelei, com responsabilidades culturais em Lisboa e com as quais iniciei negociações o ano passado para parcerias em projectos de acção cultural na cidade. Em seguida publiquei-o aqui para retirá-lo poucos minutos depois pois pensei que poderia dessa forma dar continuidade a um recomeço, a uma segunda oportunidade. Foi um derradeiro acto de confiança que não durou muito. As chamadas telefónicas de hoje de manhã comprovaram as minhas anteriores suspeitas. Como escreveu Tácito, uma má paz é ainda pior do que a guerra. Neste caso, concordo com ele. Vamos a isso.

6.1.11

um bom método



Para acabar uma discussão.

1.1.11

mais do mesmo

Achar que a Passagem de Ano é sinónimo de mudança é absurdo. O ano passa, de facto, mas tudo o resto fica. A roupa suja à espera na máquina, o óleo do carro em baixo e o seu infame mau-feitio pela manhã. Que não se espere do Calendário Gregoriano grandes milagres.

life scritp

Queria obsessivamente definir o filme das suas vidas como «romance».
Mas nunca deu nada mais do que diálogos e mise-en-scène «noir».

ano novo

Ainda antes do almoço retiro dois nomes da minha lista do Facebook e outro da minha lista de contactos. O Ano Novo tem de começar por algum lado.