31.7.07

lacrimae rerum (2)



Michelangelo Antonioni, (29 de Setembro de 1912 – 30 de Julho de 2007)

lacrimae rerum (1)



Ingmar Bergman, (14 de Julho de 1918 – 30 Julho de 2007)

my notebook | apontamentos soltos

Baudrillard em 'America' dá-nos o retrato de uma sociedade egotista, alienada da realidade, ou melhor dizendo, afundada na sua própria hiper-realidade - essa fronteira onde a realidade e a ficção se misturam. O filósofo fala-nos da Califórnia mas as suas observações podem perfeitamente trasladar-se para sítios como Las Vegas ou Times Square em Nova Iorque. Todos estes sítios pertencem, na sua abordagem, ao universo dos espaços hiper-reais mas não necessariamente surreais ou fantásticos, como por exemplo a Disneylândia. Não, isso é outra coisa.

Nos últimos dias tenho saído tarde do atelier (em Chelsea, a meia dúzia de quarteirões) e passo por Times Square a caminho de casa. Penso na pertinência do discurso de Baudrillard e observo as pessoas; no fundo o que vejo é o meu próprio retrato: um sonâmbulo, embrulhado num singular universo, entre o brilho dos néones e o fluxo da multidão.

26.7.07

leitura de verão


E tal como o Verão vai quase a meio.

o que está errado

“I’ve read a few books in recent years and it’s surprising what goes on that none of us knows about. I’m not asking for Tibet but what I saw in St. Petersburg interested me. What I want to know is what’s going on in the world.”[...]
“That’s all in the Torah, there’s no end to it. Stay away from the wrong books, Yakov, the impure.”
“There are no wrong books. What’s wrong is the fear of them.”

Diálogo entre Yakov e Shmuel em ‘The Fixer’, um agoniante livro de Bernard Malamud.

24.7.07

tough guys don't dance (2)

A primeira impressão foi uma surpresa. Norman Mailer já não é o homem vigoroso que aparece na contracapa da maior parte dos seus livros. Chegou ao palco curvado pelos seus oitenta e quatro anos, apoiado em duas bengalas. Mas a segunda impressão voltou a ser uma surpresa. Mailer, embora sempre disperso, respondeu a todas as perguntas com um sentido de humor supremo e uma notável memória. Falou dos seus filmes: cenas de plateau, adaptação de argumentos, actores - e dos seus próprios caprichos. Naturalmente falou-nos também dos seus livros, de política, de arte, de influências, da sociedade. Contou piadas, como a de sentir-se um general sempre que realizava um filme, pois casou-se seis vezes e sempre que pedia a uma das suas mulheres para mudar o penteado recebia apenas uma careta de volta mas quando o disse à Isabella Rossellini, em 'Tough Guys Don't Dance', responderam-lhe de imediato 'Yes Sir!'.
Teve nove filhos. Malandro.

22.7.07

tough guys don't dance



Daqui a um par de horas Mr. Norman Mailer ao vivo e a cores no Film Society do Lincoln Center para uma onstage conversation. Depois disso a projecção dos seus filmes 'Tough Guys Don’t Dance' (1987) e 'Maidstone' (1971). Jornalista, escritor, cineasta e candidato a Mayor da cidade de Nova Iorque em 1969. Ladies and gentlemen, Norman Mailer, um homem de outros tempos.

todo um detalhe



Frank: But I’m an alcoholic and a killer.
Laurel: That’s OK, as long you’re not gay.

You Kill Me, 2007
de John Dahl

shoot the freak

No Village Voice Siren Music Festival juntam-se as mais variadas tribos urbanas. Para começar o evento tem lugar em Coney Island, esse mítico reduto suburbano nova-iorquino de praia popular. No dia do festival, para além da habitual horda de porto-riquenhos com geladeiras cheias de Corona, de russos de Brighton Beach e de ucranianos de Little Odessa, podemos ver góticos, farmers, bears, freaks, nerds, rockers, grunges, vegas e outros tantos seres inclassificáveis. No meio estava eu (inclassificável também, calculo), de havaianas nos pés e livro debaixo do braço, a pensar na quantidade de lixo - entre latas, papéis de hambúrguer e cartões de hot-dogs - que esta gente gera. Fui-me embora antes do pôr-do-sol. Fica a dica para Matt and Kim.

12.7.07

bruno ganz de chapéu (intervalo de treze anos)



Em 'Brandnacht' (1993), de Markus Fischer, e em 'Vitus' (2006), de Fredi M. Murer, visto ontem à noite. As próximas fotos do senhor serão sem chapéu e de preferência onde esteja com o célebre rabo-de-cavalo, penteado romântico que ficou conhecido nos anos oitenta como cabelo à Bruno Ganz.
Um 'post-homenagem' a um homem de outros tempos num tempo em que os penteados mediáticos são os dos jogadores de futebol.

10.7.07

mas não para já

Santo Agostinho antes de ser um asceta foi um homem mundano. Teve uma relação prolongada com uma amante da qual teve um filho e depois esteve a ponto de casar com outra mulher - mas o casamento não poderia ainda consumar-se devido à tenra idade da noiva. Assim, nos dois anos de compromisso e espera Agostinho teve uma nova amante; menos oficial do que a primeira. Quando finalmente a noiva atingiu a idade oficial foi tarde demais: a religião ganhara a batalha e Agostinho dedicou o resto da sua vida ao celibato. Contudo, Agostinho - como Tolstoi - era obcecado pela ideia do pecado e a mundanidade da sua vida pesava gravemente na sua consciência. Por isso, nos seus tempos de homem terreno, era frequente pedir nas suas orações a Deus castidade e continência, mas não para já.

a explicação



para tantos 'estados de graça' é apenas uma: vi ontem 'Broken English' e Parker é 'Nora'; trinta e tal anos e perdida na cidade de Nova Iorque. E é aí que a vejo embaraçada, com os copos, zangada, triste ou paranóica. Ou seja, gira. Mas numa vista de olhos pelo Google Images há uma série de fotos suas que me surpreendem - outros papéis noutros filmes - como por exemplo a namorada indigesta de Tom Hanks em 'Você tem uma mensagem'. Mas isso já passou, é história. O que importa é o presente.

Broken English (2007)
de Zoe Cassavetes (sim, a filha do John)

estado de graça (2)



Parker Posey é uma destas mulheres que mesmo quando se levanta com ar de ressaca é gira. É gira quando está embaraçada, com os copos, zangada, triste ou paranóica. Parker tem um divino estado de graça, ou aquilo que a geração dos nossos pais gosta de chamar de um je ne sais quois.
Bem gira, é o que é.

9.7.07

estado de graça



Parker Posey, 'the indie queen'.

rescue dawn (2006)

Mais de vinte anos depois de 'Aguirre, a Cólera de Deus' ou 'Fitzcarraldo', Werner Herzog regressa a duas das suas obsessões predilectas em 'Rescue Dawn': filmar em situações físicas extremas e explorar o desespero humano das suas personagens em atingirem um determinado objectivo, seja na luta contra a força da Natureza ou contra uma força de outra natureza qualquer. Neste caso Herzog debruça-se sobre a história verídica de um piloto norte-americano feito prisioneiro de guerra algures entre o Laos e o Vietname e incide sobre esse período até à sua fuga e resgate, mostrando as tensões psicológicas dos prisioneiros e o desgaste físico provocado pelo cativeiro. 'Rescue Dawn' é um bom filme? Poderá até sê-lo mas está longe de ser um bom Herzog. Talvez porque o Christian Bale não é o Klaus Kinski ou talvez pelo facto de imagens como as de 'Fitzcarraldo' sejam difíceis de igualar. Mas no final não fiquei com a sensação de ter perdido onze dólares.
No fundo é isso o que conta.

7.7.07

brainy enough


'Think hard: When did you last meet a women who looks like a model, cooks like a master chef (with a cookbook to prove it) and can out diva Mariah Carey? To make things even more painful, she's also brainy enough to be dating jihad-inspiring endangered novelist Salmam Rushdie.'

Padma Lakshmi, depois do divórcio com Salman Rushdie, de novo "livre". Gosto especialmente do livre entre aspas. Clicar para aumentar.

a day at the country

Saio da cidade por um dia; deixo Nova Iorque para trás e faço uma viagem de comboio ao longo do rio. Hora e meia depois, já em Beacon, visito o Dia, com obras de Richard Serra, Donald Judd e Dan Flavin entre outros. Antes da viagem de regresso meto-me num ferryboat com um bilhete de ida e volta para Newburgh, do outro lado do Hudson River. Sento-me sozinho no deck superior, descoberto, e durante os trinta minutos das duas viagens não me importo com a chuva ou o vento; apenas o pôr-do-sol atrás da montanha interessa. E o silêncio - finalmente - também.

5.7.07

homens de outros tempos



Film Noir. Com este senhor, mesmo se a cores.

4.7.07

the fourth of july

Lá fora o fogo de artifício, espelhado no East River. Cá dentro a guerra de Yom Kippur, na versão cinematográfica de Amos Gitai. Hoje não há sossego; onde quer que esteja.

3.7.07

paper moon, lettuce cigarette



Ontem em Bryant Park, na projecção ao ar livre de Paper Moon (1973) de Peter Bogdanovich, o público dividiu-se com a cena em que Tatum O'Neal, com apenas nove anos, fuma um cigarro. Chocados, uns, aplaudiram, outros. Mas o aplauso não foi para celebrar a monstruosidade de ver uma criança fumar - todas as pessoas sabem que isso está errado - foi para celebrar a liberdade de outros tempos e criticar os extremos de uma lei férrea actual. Em todos os casos é do conhecimento comum que o dito cigarro não continha tabaco mas sim alface ou outra coisa do género, porque, ao fim e ao cabo, fumar faz mesmo mal.

oeuvre au (film) noir

Para além da óbvia referência visual, encontramos também nos filmes de Jean Pierre Melville as questões de carácter/honra e a visão pessimista e obscura das relações humanas típicas do film noir. Mas Melville não esta só nesta sua abordagem: Henri-Georges Clouzot e Jacques Becker são partidários da sua visão moralista. Na obra dos três, (pelo menos nos filmes que vi dos três*), o denominador comum da sua mensagem é que o crime claramente não compensa e nenhum tem reserva alguma em deixá-lo bem claro no fim trágico reservado às suas personagens. Mas se por um lado o crime não compensa e está o castigo ou o infortúnio para prová-lo, por outro lado parece que a coragem, a amizade e a audácia também são penalizadas. No final - bons e maus - todos são punidos: pela morte, pela traição ou pela prisão.

1.7.07

homens de outros tempos



JP Belmondo. É de homem.

pay per view (2)

Hoje, no Film Forum no Soho, passa 'Le Doulos' de Jean-Pierre Grumbach, cineasta francês que adoptou o apelido Melville em tributo ao seu escritor norte-americano favorito. E ao longo da sua vida o tributo à América não foi apenas ao autor de Moby Dick. Foi também a um determinado estilo cinematográfico: àquele a que Frank Nino, o crítico francês, apelidou duas décadas antes de Film Noir.

pay per view

Melhor do que a festa de inauguração da instalação efémera de 2007 no PS1 MoMA-Queens foi a descoberta (horas depois) da magnífica vista nocturna sobre Manhattan desde Water Taxi Beach. De havaianas nos pés e com os pés na areia nada me prendia tanto o olhar como a ilha de Manhattan totalmente iluminada à minha frente.

(De todas as vistas sobre a ilha que já experimentei, de Williamsburg no Brooklyn a Port Imperial em Nova Jersey, passando pela tradicional vista sul de Staten Island, esta foi sem dúvida alguma a mais impressionante).