30.3.10

o seu duplo perene



Com uma mulher como Gene Tierney (1920-1991) percebe-se o fascínio de Dana Andrews por Laura no filme de Otto Preminger. A leve obsessão [sexual] causada pela sua imagem num quadro na parede e por diversos relatos de terceiros, julgando Andrews que ela morrera, produziu um sentimento bizarro — que outra coisa poderá ser a atracção por uma mulher morta? — que valeu ao filme de Preminger a fama de o noir mais mórbido do cinema. Um abuso, sem dúvida. Andrews, ou o detective McPherson que este desempenhava, era apenas um homem e como tal «sensível» (se é que este adjectivo pode ser utilizado no masculino, perguntar-se-ão algumas mulheres) à meta-beleza feminina exposta. Note-se que nos dias de hoje o efeito é exactamente o mesmo: Gene Tierney está morta — contra factos não há argumentos — mas a sua presença perdura e provoca. Em imagens estáticas ou em movimento; em Cinema ou em Fotografia. O seu duplo perene, como descreveu Barthes. Ou a apoteose da concretização figurativa da mulher-objecto.

29.3.10

a mulher-comum

«Femme-banale», essa mulher fatal, fatal.

27.3.10

a kind of

'Angel Face' (1952), de Otto Preminger

Diana Tremayne: Do you love me Frank?
Frank Jessup: I suppose it's a kind of love. But with a kind of woman like you, how can a man be sure?



24.3.10

the master of twist 'n tale



Dele disseram: fantastic as Grimm, heartless as Saki.

23.3.10

twilight for a good night

A sua obra é mundialmente conhecida por várias gerações: dos livros mais ou menos infantis, como 'Charlie and the Chocolate Factory' (1964) ou 'The Gremlins' (1943, que nada têm que ver com o filme de Joe Dante), aos contos de suspense & reviravolta para adultos. É sobre estes que me debruço agora noite dentro numa compilação intitulada 'Someone Like You', de 1949. Com os seus ambientes por vezes levemente Hitchcock Presents, levemente Twilight Zone, as short-stories de Roald Dahl são sem dúvida alguma uma boa opção para noites de insónia. Paralelamente, é interessante ver como coisas de adultos nos levam a nostalgias dos tempos de criança. Pode ser que com isto durma melhor.

22.3.10

'You can kick out a dangerous thought, you know, if you put another in its place. Go right back as far as you can go. Let's have some memories of sweet days.'

'Soldier', em 'Someone like You', de Roald Dahl, Penguin Modern Classics, (pag47).

21.3.10

'i walked with a zombie' (1943), de Jacques Tourneur



Não no past tense mas no Presente. Não com outrem mas comigo próprio.

em tarde de sol

Foi uma pena a derrota de ontem frente à Roménia no Estádio Universitário por 09-20, sobretudo porque significou a desqualificação para os play-off de acesso ao Campeonato do Mundo de Rugby 2011 na Nova Zelândia. Os Lobos não começaram mal, com uma conversão aos postes de 3 pontos, mas outra por parte dos adversários e uma sequência de duas más acções por parte dos portugueses — um ensaio-penalidade por falta nos 5 metros e um erro infantil na nossa área de ensaio (ambos convertidos) — fizeram a Roménia ficar com uma confortável distância de 03-17 nos primeiros minutos da segunda parte. Mexeu-se na equipa, destacando-se a entrada de um médio-de-formação fresco, e a dinâmica aumentou. Contudo, um conjunto de toques-para-a-frente revelou uma total desconcentração por parte dos jogadores, fazendo-os perder vantagens de jogo (e de terreno) mínimas que possibilitariam o esperado empate no resultado. Conseguiram apenas mais 6 pontos em duas conversões aos postes tal como os romenos outros 3. É do conhecimento geral o desequilíbrio histórico entre as duas selecções (Portugal ganhou apenas 2 em 17 jogos com a Roménia) mas com o que conheço dos nossos Lobos acreditei que a vitória seria possível. Não foi; não por falta de calibre, apenas de espírito. Para quem esteve lá uma coisa foi clara: nos romenos não houve distracção.

20.3.10

no results for your search

Ao tentar procurar uma coisa que há tempos por aqui escrevi, reparo que o search deste blogue não funciona correctamente. Não só não descobre o que eu sei que por aqui estará escrito algures, como dá igualmente a impressão que tal coisa nunca por aqui passou. Um search com um sentido de contemporaneidade e oportunidade muito próprio. Lipovetsky com certeza que apreciaria.

the heart is a lonely hunter

Escrever um livro assim aos vinte e três anos revela uma maturidade fora do comum para a idade. Ao nível da capacidade de observação e posterior definição de caracteres e sentimentos, sem dúvida, mas igualmente do conhecimento (porventura instintivo) dos mecanismos que compõem uma narrativa. Chamaram-lhe faulkneriana — epíteto também utilizado décadas mais tarde pela crítica norte-americana para descrever António Lobo Antunes — embora em Carson McCullers tamanha comparação tenha tanto de lógico como de redutor. Um facilitismo, parece-me, derivado apenas por uma condição geográfica específica. Obviamente que encontramos muitas das características da obra de Faulkner, ('The Sound and the Fury' saíra em 1929), mas entre um obrigatório olhar sobre o Sul — a presença de Deus, da família e do conservadorismo, a relação entre raças branca e negra, os sotaques fortes — e a fragmentação na narrativa por diferentes pontos de observação, 'The Heart is a Lonely Hunter', ainda inscrito no particular Southern Gothic, é um outro método. Mais cândido e enfeitado, inocente e floreado. Girlish, so to speak, com alguma sujidade visceral à mistura. Nas emoções.

tender is the night

Para além do citado Faulkner — que o título do post não leve ninguém para Fitzgerald — a primeira referência que encontro em 'The Heart is a Lonely Hunter' (1941) vem deste lado do Atlântico. O New York Bar de Carson McCullers levou-me para o Midnight Bell Bar do britânico Patrick Hamilton em 'Twenty Thousand Streets Under the Sky' (1935). Poder-se-ia dizer que um bar é um bar mas no caso de estes dois isso seria demasiado simples, pelo menos do ponto de vista da construção literária; acrescentando que as suas personagens nocturnas partilham inúmeras características pelos seus desencaixe e inadaptação sociais. Sente-se uma atmosfera que nos coloca perto da dramaturgia. Pela forma como é descrito o ambiente (das luzes à disposição espacial dos elementos) somos transportados para uma caixa de palco onde cada movimento é lento e meticulosamente estudado, atingindo quase uma artificialidade propositada. Depois olhamos para os dois autores e vemos que tal impressão não é de todo desconexa. Ambos escreveram peças de Teatro com as quais alcançaram relativamente algum sucesso. No fundo, as coisas misturam-se umas com as outras.

17.3.10

'Ben-Hur' (1959), de William Wyler



A possibilidade de Woodstock dez anos antes de Woodstock.

15.3.10

bourgeois existence or suicide

Depois de vários anos de separações e reconciliações com Reeves, Carson tenta o suicídio. A devoção a complexos triângulos amorosos — a par de outros motivos: financeiros e de inveja, da parte dele, de abuso de álcool e de ambiguidade sexual, da parte de ambos — origina múltiplos conflitos no casal. Em 1951 voltam uma derradeira vez a Paris. Reeves tenta convencer Carson a juntar-se a ele num suicídio duplo. Ela recusa e foge. Ele fica e cumpre o objectivo, sozinho num quarto de hotel.

the seven lifes of carson mccullers

De uma forma geral, poderá dizer-se que a vida de Carson McCullers (1917-1967) foi marcada por uma saúde instável e periclitante; por uma sobrevivência arrancada aos múltiplos problemas físicos que lhe apareceram e às suas consequentes complicações. Febre reumática aos quinze anos, pneumonia e a primeira trombose aos vinte e cinco. Teve ainda duas outras antes dos trinta, da qual a última lhe paralisou o braço esquerdo para o resto da vida. Aos quarenta e cinco foi-lhe diagnosticado um cancro da mama e sofreu uma mastectomia. Morreu cinco anos depois, vítima de hemorragia cerebral, derivada de uma trombose final. Perante estes factos, não é difícil perceber que McCullers teve presente ao longo da sua vida a consciência da fragilidade da condição humana.
Muito jovem, aos dezoito, migrou da esfera conservadora do sul para Nova Iorque onde viria a conhecer James Reeves McCullers, o seu marido. Mais tarde experiencia com ele, por uns breves anos, a vida na Carolina do Norte e posteriormente as boémias nova-iorquina, onde regressa sempre, e parisiense, depois da Segunda Guerra Mundial. Foi neste cenário que evoluiu enquanto mulher e autora. Curiosamente, 'The Heart is a Lonely Hunter' (1940), a sua obra mais celebrada, foi escrita por uma Carson muito jovem e de certo modo longínqua da mulher que ela viria a ser. Talvez por isso, agora com a leitura a meio, o que me continue a interessar mais no livro (ou pelo menos nesta edição Modern Classics da Penguin) são as breves páginas que antecedem o romance. As breves páginas que contêm a cronologia de Carson McCullers e das suas sete vidas e nas quais a realidade supera claramente a ficção.

7.3.10

cumulonimbus e Deus

Ontem, ao regressar a Lisboa pela ponte Vasco da Gama, tive oportunidade de testemunhar uma imagem incomum. Um conjunto invulgar de nuvens cobria todo o horizonte sobre a cidade. A sua escala era monstruosa, com uma altura que pelos meus breves cálculos parecia ultrapassar em mais de cem vezes a das edificações urbanas. Depois, acima das nuvens, a luz e os raios de sol entretinham-se num jogo superior e inacessível aos comuns mortais. Eu sei que há a Evolução, Camus, ou a recente Urgência do Ateísmo mas perante um cenário destes acabamos sempre por sentir um qualquer poder divino. Mesmo um agnóstico cínico como eu.

3.3.10

the ballad of the sad cafe



The ballad of a sad life.

carson mccullers

Gore Vidal chamou ao trabalho dela um dos poucos resultados satisfatórios da cultura americana de segunda, Arthur Miller acrescentou comovente, sim, mas um autor menor. Por fim, Bukowski dedicou-lhe um poema algo sentido e insignificante. O meu interesse nela começou aí.

auto dos danados

Aos 20 minutos já está Dirk Bogarde a matar o futuro sogro (o avô). Depois disso é a criança judia que se enforca por não suportar o ataque pedófilo de Martin. Na hora seguinte dá-se o massacre das SA pelas SS numa noite de orgia decadente e morre mais um da família: o tio. Finalmente, para coroar o festim macabro, assistimos aos suicídios de Ingrid Thulin (a mãe) e Dirk Bogarde (o marido dela) com cápsulas de cianeto. Sobra Martin, o maquiavélico, sádico, pedófilo, Édipo e travesti recalcado. 'La caduta degli dei', (1969) de Luchino Visconti, apresenta-se assim como uma pièce de résistance de um realismo burlesco e amargo. Não é, claramente, para todos os gostos. Aliás, Visconti nunca o foi.