26.5.09

la comédie humaine



Fotografia de Wayne Liu, outra vez, que ao juntar a multidão, os gritos e uma pulseira com um coração ao gesto universal do cornudo consegue assim, de uma forma figurativa, resumir simbolicamente em apenas uma imagem toda a obra literária de Balzac. Um requintado pós-realista, este sino-americano.

das Penélopes

Ulisses, vinte anos depois, regressou à sua.
Bardem, em menos tempo do que isso, também.

25.5.09

made in alcobendas

Comprei há uns dias um serrote para madeira e enquanto estava ontem a fazer uma coisa armado em carpinteiro dei conta do Made in Alcobendas, Spain gravado na lâmina brilhante. Para além de produtora de ferramentas para a mui ancestral, doméstica e masculina arte da bricolagem, esta pequena localidade é também conhecida como a terra-natal das (aqui sobretudo) hiper-sensuais Penélope e Mónica Cruz. Como diz o slogan camarário: Alcobendas, un modelo de ciudad. Concordamos, evidentemente.

21.5.09

esplendor na relva

Nos anos anteriores à minha partida para o estrangeiro, a Cinemateca, mesmo durante os largos meses em que por motivo de obras as projecções eram no Palácio Foz nos Restauradores, era já um dos meus locais de eleição. Guardo inclusive, e religiosamente, os papéis-craft da programação de Janeiro de 2001 a 2006, que por volta do ano 2002 sofreram uma ligeira alteração no design gráfico. Para melhor, pareceu-me. Guardo todos os meses, salvo um; por causa de uma antiga namorada que o rasgou na Avenida de Roma em frente ao Frutalmeidas. De todos estes anos, para além de filmes e ciclos, também me recordo dos textos fotocopiados que acompanhavam as projecções. Textos construídos em volta de uma paixão pelo medium; histórica e conceptual. Textos que me ajudaram a ver o então invisível, a compreender o (muitas vezes) incompreensível. Textos que elevavam os detalhes, os pequenos-nadas e revelavam aquilo que aprendi a procurar e respeitar como a outra face do cinema. Textos de João Bénard da Costa.

Quando há pouco conversava com o meu Pai sobre a morte de JBC compreendi verdadeiramente a dimensão do seu alcance pedagógico intergeracional. Foi seu professor no Conservatório de Lisboa nos anos 1970, fiquei a saber. De História da Cultura, acrescentou.

Pelos seus textos, foi meu também. Trinta anos depois.

no tempo do cinema

Documentario de José Carlos Santos sobre a vida de João Bénard da Costa.
Hoje, dia da sua morte, na 2.

a midnight valium for a good night's sleep

Quando o descobri, soube que já o conhecia sem nunca o ter visto. Nos manuais de arte contemporânea, ainda adolescente, ou ao vivo no museu, já adulto. Muito antes daquela tarde em que fugimos do calor apocalíptico da Fith Ave e nos refugiámos no ar fresco dos mármores do Met. Lá estava ele à nossa frente, como eu o esperava, outra vez só para mim — só para nós — na hora-morta do museu em dia de purgatório urbano. A arcada e a praça-amarela, o abandono, o estio. Tudo antes de ti e ali; tudo muito atrás na minha infância. A Biblioteca Municipal e o terrain-vague deserto entre mim e ela; cem passos de solidão, cem passos de criança. Lá dentro o Nils Olgersson e a sua viagem de ganso pela Suécia. Ou as histórias de Grischka e do urso, de René Guillot, num remoto e exótico cenário de esquimós e neve, ambos tão distantes da minha breve realidade. As paredes altas revestidas de velhas edições. O ar fresco, o cheiro a papel, a forte luz exterior. O silêncio. Sentado numa cadeira sem que os pés tocassem no chão e esperar, como em todos os dias daquele princípio de Verão, que chegassem as seis da tarde. É isto que para mim é Chirico. Nostalgia. Muito antes de ti.

17.5.09

desperate housewife

'Intentions of Murder', de Shohei Imamura

Em 'Intenção de Matar', (ou 'Akai Satsui', 1964), Shohei Imamura debruça-se sobre a história de Sadako, uma mulher de meia-idade e sem encantos, casada, enganada, mãe e dona-de-casa que é violada durante uma ausência do marido e do filho. Sadako estranhamente encontra no violador uma ruptura com a apatia da sua vida e cria uma relação de assiduidade e continuidade com ele, procurando posteriormente matá-lo como um acto (mais psicológico do que físico) libertador. Logo à partida, não encontramos neste filme de Imamura mais do que laivos da sua máxima por aqui transcrita há uns tempos relativa ao seu interesse "na relação da parte inferior do corpo com a parte inferior da estrutura social". Depois compreendemos que, no seu todo e bem lá no fundo, é claramente (e muito) isso mesmo.

seven knots

Desde aqueles dias de Verão e de Inferno na Upper New York Bay, onde o Hudson e o East River convergem ladeados pelas Ellis e Governors Islands, que, por circunstâncias da vida —e são sempre muitas as circunstâncias da vida— não tinha voltado ao leme de um veleiro. Foi por isso muito bom voltar a fazê-lo ontem, dia em que a brisa ajudou a buscar a adrenalina desses outros tempos e a despertar assim a lembrança de uma relação única traduzida por um não-tão original quadrinómio: homem, barco, vento e água.

14.5.09

the aesthetics of reality, take 2

Ontem, numa rua perpendicular à do meu estúdio, deparei-me com uma cena interessante. Uma moto de grande cilindrada enfiada debaixo de um carro-patrulha e um aparato policial que metia respeito. O que se passou, perguntei a um popular na esquina. Foram uns ladrões, respondeu, foram uns ladrões que roubaram uma joalharia e na fuga espetaram-se contra o carro da polícia. Apanharam-nos todos, concluiu radiante. A estética da realidade, dizia eu. Aqui um bom exemplo num sentido diferente.

the aesthetics of reality

Andar constante e inconscientemente a equilibrar na minha cabeça o color balance de quase tudo o que toco —da salada de frutas ao dentífrico— quer dizer apenas duas coisas: 1) demasiadas horas agarrado ao photoshop; e 2) demasiadas horas agarrado ao photoshop. Ou então quer apenas dizer que a chamada estética da realidade poderia ser muito melhor do que aquilo que é.

de yoshishige yoshida

É já com alguma dificuldade que consigo escrever Yoshishige, o primeiro nome do realizador japonês. Depois fui mais longe e tentei dizê-lo. Não me saiu nem à segunda.

ainda de 'as termas de akitsu'



Toichiro Narushima, o director de fotografia, conseguiu em 'Akitsu Onsen' (1962) o mesmo que Yoshio Miyajima conseguiu na Parte I da 'Condição Humana' (1959) de Masaki Kobayashi: a paisagem é claramente a terceira personagem. E este fotograma não ilustra nem metade daquilo que estou a dizer.

as termas de akitsu



De 'As Termas de Akitsu' (Akitsu Onsen, 1962), de Yoshishige Yoshida, podemos dizer que é sobretudo um drama romântico. No final da guerra, Shinko, ainda adolescente, conhece um militar tuberculoso e torna-se a sua enfermeira. Eventualmente ele cura-se e entretanto apaixonam-se; mais tarde ele parte, abandonando-a. O seu regresso às termas de Akitsu e a Shinko é esporádico e conturbado nos 17 anos seguintes. A história culmina numa poderosa cena dramática do suicídio de Shinko, já uma mulher madura, perante o desespero de um homem que em tantos anos nunca soube o que quis.

É-me difícil encaixar 'Akitsu Onsen' no contexto da Nova Vaga Japonesa. O ambiente de pós-guerra e de múltiplas mutações sociais torna-se quase supérfluo à narrativa. Pouco interessa e nada é explorado. O que parece realmente interessar a Yoshida é a história de amor numa esfera de tranquilidade burguesa; a mutilação sentimental e o sofrimento pela desilusão. Uma luta a dois; de caracteres e de força interior. Em nenhum momento se sente uma incursão a temas como a violência física gratuita, o sexo mecanizado, a reivindicação política ou a personagens de uma marginalidade social. Talvez por isto sinta que 'Akitsu Onsen' pertence menos a uma nova vaga do que à anterior (e paralela) escola clássica, dramática e humanista do cinema japonês. O que não invalida ser um grande filme.

11.5.09

those ghostly traces, photographs

Copyright Wayne Liu

A fotografia é do sino-americano Wayne Liu mas pelo ângulo em relação à figura feminina, a pose desta e até o contexto urbano bem poderia ser um fotograma de Naruse.
Se Naruse tivesse filmado nos anos 80 e fosse chinês.

10.5.09

about jogging

Eu sou David. Golias é a preguiça que há em mim.

da arte e do sentido (2)

Sou do género de gajo que quando tem tv —embora quase nunca tenha tv— guarda a merda do telecomando sempre no mesmo sítio. Ou seja, sou por isso um estruturalista inveterado. E isso faz muito sentido.

9.5.09

da arte e do sentido

Quando me perguntaram sobre as minhas preferências na Arte Contemporânea portuguesa não tive grandes dúvidas —embora aprecie igualmente outros, naturalmente— em apontar três nomes para três novas gerações: José Pedro Croft (1957); Gil Heitor Cortesão (1967); e Manuel Caeiro (1975). Focando-nos nas obras dos três artistas, podemos dizer que a preferência faz todo o sentido, se é que preferências têm de fazer sentido. Do construtivismo mais abstracto de Croft ao racionalismo figurativo de Caeiro e passando pela memória modernista de Heitor Cortesão, a arquitectura, ou referências (por vezes) remotamente ligadas à arquitectura, são, a par de estilizadas contextualizações espaciais, elementos comuns a todos os trabalhos. A preferência faz assim todo o sentido, mais uma vez, se é que tem de fazer sentido. Mas é quem me conhece que diz que faz mesmo todo o sentido.

7.5.09

those ghostly traces, photographs



É extraordinário o poder das imagens na cultura urbana. Não há quem olhe para esta foto e não anteveja a tragédia das quatro personagens. O disparo a longa distância, a cabeça a abrir-se em duas partes pelo impacto do projéctil, os consequentes gritos. Por isso todos estes sorrisos ganham aqui uma outra dimensão. É esta a fragilidade da condição humana. Uma grande merda, mas é o que é.

some people have analysis; I have Utah

Conheci uma pessoa que também dizia isto. Exactamente o mesmo, descubro agora, que disse o Robert Redford há muitos anos atrás. A fuga para o campo; ou a chamada contra-terapia pós-moderna.

a arte da fuga

Alguém que lê este blogue e ao denotar, por um lado, o marasmo dos últimos dias, por outro a obsessão temática, espirituosamente pergunta-se (e a mim também) se não terei —e trancrevo— fugido com a Emmanuelle? Ainda há bom humor em tempos de crise.

4.5.09

Emmanuelle; definitivamente com maiúscula

A busca de imagens para «Emmanuelle» é bastante interessante. Aparece a Seigner, a Béart e a Vaugier. Só por isto, o nome inteiro deveria ser em maiúsculas.