a midnight valium for a good night's sleep
Quando o descobri, soube que já o conhecia sem nunca o ter visto. Nos manuais de arte contemporânea, ainda adolescente, ou ao vivo no museu, já adulto. Muito antes daquela tarde em que fugimos do calor apocalíptico da Fith Ave e nos refugiámos no ar fresco dos mármores do Met. Lá estava ele à nossa frente, como eu o esperava, outra vez só para mim — só para nós — na hora-morta do museu em dia de purgatório urbano. A arcada e a praça-amarela, o abandono, o estio. Tudo antes de ti e ali; tudo muito atrás na minha infância. A Biblioteca Municipal e o terrain-vague deserto entre mim e ela; cem passos de solidão, cem passos de criança. Lá dentro o Nils Olgersson e a sua viagem de ganso pela Suécia. Ou as histórias de Grischka e do urso, de René Guillot, num remoto e exótico cenário de esquimós e neve, ambos tão distantes da minha breve realidade. As paredes altas revestidas de velhas edições. O ar fresco, o cheiro a papel, a forte luz exterior. O silêncio. Sentado numa cadeira sem que os pés tocassem no chão e esperar, como em todos os dias daquele princípio de Verão, que chegassem as seis da tarde. É isto que para mim é Chirico. Nostalgia. Muito antes de ti.
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