30.4.11

a história de sólon

Continentes devastados, corpos destroçados. No final o que sobrou foi apenas uma parte de ambos. Aos dois faltou depois algo irrecuperável, aos dois chegou depois a sombra da perda. Com o conflito terminado, ficaram sem propósito. Dois veteranos que sabiam que dali em diante viveriam unicamente das suas próprias memórias. Sem vencedores ou vencidos. Em paz.

29.4.11

e com isso

tiras-me o prazer das coisas / e com isso /
tiras-me o prazer de ti.

28.4.11

family matters

Bingo, 1974. Four black and white photographs, 29 x 32 x 1 in., each

Bingo, 1974
Four black and white photographs, 29 x 32 x 1 in., each

'Bingo', de Gordon Matta-Clark, ou mesmo outros dos seus famosos building-cuts, sugere-me sobretudo uma renegação da nostalgia de infância na forma de desconstrução de um dos seus ícones nucleares. A «casa» enquanto elemento agregador da família, a sua mutilação enquanto a desagregação de tudo o que ela representa(ou). Depois olhamos para a vida de Matta-Clark e a ideia ganha uma força acrescida. Roberto Matta Echaurren, o pai, chileno, artista reconhecido, amigo de Duchamp, abandonou Gordon e o seu irmão gémeo Sebastián quando estes tinham apenas quatro meses. Sebastián aparentemente suicidou-se em 1976, caindo de uma janela; Matta-Clark morreu dois anos depois, aos trinta e cinco. O pai não foi a nenhum dos funerais.

19.4.11

aos anos

A nostalgia é um sentimento perigoso; uma fragilidade camuflada da condição humana.
Penso, logo existo. Lembro-me, logo me fodo.

o futurismo do instante

Em 'The Futurism of the Instant, Stop-Eject', (2009), tradução inglesa do seu penúltimo ensaio, Paul Virilio expõe através de ramificações e conclusões que os seus (hiper) conceitos produzem a ideia de «Revolução Portátil», uma consequência da globalização e de um mundo e de quem o habita em movimento que nos coloca num afastamento absoluto das nossas origens e identidade: êxodo, exílio, deportação, emigração. Contudo em Virilio não me interessa tanto a leitura política como me interessa a antropológica. E mesmo assim prefiro ainda lê-lo numa perspectiva menos científica e mais emocional: a exposição dos nossos preconceitos, receios, pudores. A revolução portátil não é assim iminente, como ele acusa. Está presente. Todos somos culpados e vítimas, establishment e revolucionários, já a caminho do derradeiro exílio, aquele onde deixamos de ser tudo e passamos a ser outra coisa qualquer.

18.4.11

os dez dias que abalaram o mundo

Uma ausência justificada por outra ausência. Ou como o mundo anda todo numa reacção em cadeia.

8.4.11

insomnia, 1934



Não muito diferente daquela 'Insónia' (1994) de Jeff Wall.
Tão-pouco menos apropriado.

duas notas

Tomo nota de duas coisas importantes no caderno aos quadrados. Sublinho com o lápis amarelo chinês, como que enfatizando a sua urgência. E depois distraio-me e continuo, absorto entre letras e opacidades, compondo e desconstruindo. Esqueço-me, no final. De tudo. Não tinha assim tanta importância. Não tenho assim tanta importância.

shooting ducks

Pensemos em nós, dir-te-ia em primeiro lugar. Sem medos ou pudores e não mais do que outros que com a sua legitimidade também já pensaram neles. Uns aventureiros de Godard, num carro qualquer estrada fora, com uma arma roubada a um homem da lei. Sendo talvez /tu/ a mulher perdida e /eu/ o atirador furtivo que a molda e espera. Uma estrada só nossa, alimentada pela quimera que vemos através um do outro. Shooting ducks, shooting cows, shooting sheeps. Shooting each other, loving each other. No fim, no tal acidente grotesco e rocambolesco escrito nas linhas de um condenado, a Morte. Mas uma morte como um prolongamento de uma vida. Nem a minha nem a tua, morte ou vida. Outra, apenas, a que sempre quisemos e sonhámos e por nada alcançámos. Ainda, dizia o telegrama. Não tinha a manhã sequer chegado.

7.4.11

american something

Como naquele livro do judeu mais famoso de Newark, uma vida dividida em três capítulos:
Paradise Remembered, The Fall, Paradise Lost.
Assim mesmo; pela mesma ordem.

5.4.11

two weeks back in lisbon

Ou como a promessa causada pela distorção do afastamento se tornou num pântano provocado pela realidade da proximidade.