aos meus pares
'Sinais de Fogo', de Jorge de Sena, é —inacabado ou não— um romance completo. Ao início, porém, a sua escrita parece-me artesanal e extemporânea, sem uma clara referência a qualquer estilo ou época, sua ou de outros. Uma escrita-oral, apetece dizer, ou um diálogo informal estabelecido entre narrador e leitor. Depois, a narrativa carregada de reflexões intimistas sobrepõe-se pela sua força visceral e fria, expondo lado a lado a arguta capacidade do autor na leitura da condição humana com a sua visão maioritariamente descrente da mesma. Sena divaga por considerações platónicas e filosóficas carregadas de inquietude e atribulação sentimental. Notável, também, é a galeria de personagens senianas, formadas de um entendimento nítido das forças e vontades individuais e colectivas, de todos e de um. Na paisagem histórica do romance toca-me particularmente a correlação com a minha própria infância. O cenário de uma Figueira da Foz burguesa no Estado Novo tem mecanismos sociais semelhantes aos do Alentejo provinciano da década de 1980: a família, as classes, perda da inocência, as criadas e as putas e as cenas de pancadaria. 'Sinais de Fogo’ não deve por isso ser lido unicamente como uma «autobiografia de Sena», que aparentemente nem o é. É um romance global e único que de carácter autobiográfico talvez tenha tanto de Sena como de muitos nós. Dos meus pares, seguramente terá.
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