11.4.08

a midnight valium for a good night sleep

Como Flitcraft, cuja história Hammett conta em 'The Maltese Falcon', também ele um dia quis largar tudo e fugir. Deixou a mulher e o filho com lábio leporino, a sogra surda, os cães, as criadas e os pretos; as armas de caça e as camisas de caqui. Fugiu sem saber do quê, talvez do tamanho do Sol, que ao princípio tanto o seduziu e que acabou por lhe ser tão insuportável como uma amante exigente e gasta. Juntou dois trapos ao cair da noite e saiu a pé, mato fora a rasgar as canelas, avistando ao longe fogueiras e reconhecendo ecos de cânticos tribais. Pensou nas negras no pavilhão de caça, longe dos olhares familiares e dos remorsos conjugais. Às duas e três, de corpos suados enrolados no seu e em como apenas nesses momentos encontrou o que pensou ser felicidade. Enganou-se, talvez, e o vazio fê-lo repetir o acto até à exaustão pois em África o calor e o sexo andam sempre de mãos dadas. Rumou para longe; pensou em Marselha. Nos bares do porto, na frescura da beira-mar, nas americanas, nas viúvas, nos gigolôs, nos paneleiros, nas esplanadas, no Pastis com gelo e no bas-fond povoado pela miséria dos intelectuais de um Maio revoltado lado a lado com a dos marinheiros.

Acabou em Nova Iorque, décadas depois, numas águas furtadas na Village, vivendo como professor de esgrima, amante de uma condessa eslava e contando a sua história a tipos como eu que um dia também pensaram em fugir.