10.6.08

chinatown

Embora fique no caminho de casa já não paro por lá como no Inverno. A noite, a neve e a chuva —a trindade a que o Symons chamava de apelo obscuro e incontrolável— traziam-lhe uma decadência misteriosa, sendo os únicos protagonistas das ruas vazias os néones multicolores e os seus reflexos no piso molhado. Agora os dias são mais longos; o tempo decente. Os turistas varrem Canal Street até à Mott, onde compram lembranças, contrafacções, imitações e outras curiosidades de feira. Outros há, mais audazes, que levados por guias cheios de manhas e brilhantina visitam em grupo fábricas-de-roupa clandestinas. Estão para os lados da White Street, numas ruelas discretas, escondidas em fachadas maltratadas de tijolo.

Sentem a emoção do submundo: a escada insalubre, os caracteres pintados nas paredes descascadas e por fim os três toques ritmados em jeito de código na porta de ferro. Abre-se o postigo e comprova-se o olhar cúmplice. Depois é vê-los, em fila indiana, de máquinas fotográficas a estalar flashes nos rostos obedientes de mulheres que trabalham em turnos de doze horas seguidas. E saem eufóricos, orgulhosos da sua descoberta genuína. Para trás ficam as operárias, que se riem para dentro daqueles turistas histriónicos que simulam solidariedade em sorrisos de falsa compaixão. E fico eu, que já lá estava, escondido no topo das escadas a ver a triste procissão passar.