a janela indiscreta
Vim para o terraço comunitário do meu edifício, vazio e escuro, decorado com duas cadeiras de palha podre ao lado de uma taça metálica onde os gatos vadios bebem leite. Oiço-os algures por aí; talvez seja a ucraniana do terceiro esquerdo que os alimenta, mas não sei. O terraço não é alto, é apenas um sétimo andar, mas vejo mais à frente o Chrysler e à esquerda o pináculo iluminado do Empire. Observo o logradouro dos vizinhos e as vidas alheias. Lembro-me da 'Janela Indiscreta', inevitavelmente. Os vultos movimentam-se dentro dos espaços privados, dos universos de mil histórias. Ao contrário dos lugares-comuns do cinema não vejo casais a discutir, ou garotas de programa a perfumarem-se ou até mesmo um saxofonista em contraluz. Vejo apenas pessoas sozinhas, em frente a televisões que projectam reflexos nas paredes despidas. Há janelas abertas, sem estores ou cortinas, e há solidão. Há sobretudo solidão.
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