30.6.08

o lugar do morto

Detrás da sua linha de segurança, apanágio de jovens eunucos e velhas prudentes, observava o desenrolar das vidas dos outros com arrogância. Não ser exposta aos mesmos problemas e não estar presente nos mesmos cenários de conflito emocional proporcionava a devida distância para uma avaliação lógica e depurada — por vezes sarcástica e irónica — das fraquezas alheias. A vida na redoma de vidro riscado, já algo baço, que ninguém se interessava em cuidar protegia-a dos ataques de terrorismo emocional, esses actos de cobardia sem aviso prévio. O orgulho de não ser vítima de tais circunstâncias, como tantos outros o eram, provocava uma altivez no ego solitário. Não sofrer, e por conseguinte também não fazer sofrer — é certo e valhe-se o altruísmo — tornou-se com os anos na sua maior preocupação. Estava viva, dizia-me. Mas era mentira. Sempre a vi no lugar do morto.