26.11.08

mumbai

Por vezes falamos da sua cidade-natal, que deixou com dois ou três anos, e das diferentes impressões e recordações que temos da mega-city indiana. Falamos das suas visitas anuais aos avós durante a infância e das memórias que retém desse período: da gastronomia ao calor húmido; dos cheiros fortes às cores intermináveis. A minha relação com a cidade é naturalmente menos emocional. Ao contrário de si, não tenho por lá qualquer laço sentimental e visitei-a apenas por períodos fugazes de passagem para outro sítio. Uma vez, no entanto, deixei-me estar mais tempo do que deveria ter-me permitido. Alojado numa pensão muçulmana onde os corvos me acordavam de madrugada pela gelosia partida, vasculhei a cidade até ao meu limite, procurando assim vencer a cobardia das vezes anteriores. De Bandra a Darukhana, de Mahim a Chembur, assisti à miséria na terra, onde pessoas e animais partilham chão e a água.

Tenho-a agora aqui à minha frente, esta colega indiana, que chora discretamente pelos ataques terroristas em Bombaim de há algumas horas atrás. Nos dias de hoje já não tem lá família, mas chora pelos continuados esmagamentos e violações das suas memórias de infância — pelos continuados esmagamentos e violações de uma liberdade pueril e remota.

I can't get over it, confessa-me.
Deixo-a então sozinha com as suas recordações.