6.1.09

uma nova contagem

Visitei-o três vezes em diferentes alturas do ano. Movimentava-se lentamente na sua sala ampla de um apartamento no final do Upper West Side com vista para o Riverside Park. As paredes forradas a tecido e a elegância do mobiliário soavam aos códigos decorativos dos anos 1960, denunciando nos dias de hoje nada mais do que um toque feminino que há muito desaparecera. Guardava as fotos amarelecidas e gastas numa cómoda igualmente velha e nunca se cansava em mostrá-las em cada uma das minhas visitas. Eu não era eu, era unicamente uma sombra concordante e interessada para a qual ele explanava as antigas memórias.

Veio para Nova Iorque há cerca de sessenta anos, revelou-me uma vez, e embora esse período da sua vida não faça parte do rol de histórias interminável, sei de outra fonte que nasceu na Martinica Francesa e lá passou a sua infância. Foi toda a vida contabilista, com escritório próprio, de pessoas de relevo na sociedade nova-iorquina. Percorrendo os seus álbuns fotográficos percebe-se o seu mundo: as viagens para locais exóticos e idílicos, as festas luxuosas e as mulheres atraentes. Mas o que conta na sua vida só é válido a partir do momento, nos finais da década de 1960, em que conheceu aquela que viria a ser a sua futura mulher. Agora, com oitenta anos, sem filhos e viúvo há quinze, explica-me que inconscientemente despreza e esquece tudo aquilo que vem «antes» ou «depois» de ela. Eu vi as fotos e compreendo-o. Uma mulher assim pode fazer um homem pôr tudo num novo princípio, numa nova ordem, numa nova contagem. Acabou por dizer-me que era uma num milhão. Eu sei o que é isso, respondi-lhe, embora ele não tenha acreditado.