28.6.09

m'sieur

A rua deserta e silenciosa, devido à hora avançada da noite, faz com que o feixe de luz saído da porta que guarda ganhe um protagonismo inesperado e místico, como um pórtico para o desconhecido visto num «série B» dos anos 50. Pode ler-se a um canto da fachada, em pequenas letras de néon encarnado, o nome do bar acompanhado das palavras Strip Club. Noite após noite a sua figura melancólica revela-se encostada ao umbral lacado, impedindo-se assim de tombar sobre si mesma. Com a proximidade dos meus passos a mancha em contraluz vai-se tornando perceptível: uma fisionomia madura, vincada pelas rugas e consequentemente uma expressão absorta e plana; desinteressada. Atrás de si percebe-se um pequeno lobby decorado com espelhos e metais dourados, antecâmara da acção cuja música trespassa remotamente para o exterior. Não há gente, não há movimento; apenas este porteiro nocturno de um local vazio e esquecido. Caminho devagar, silencioso e concentro-me na sua postura. Pela idade aparente já viu muito e de tudo, seguramente. Há algo nele que acusa cansaço. Demasiadas noites, demasiados copos, demasiados maços de tabaco, demasiada solidão. Encostado, olha o chão distraidamente enquanto fuma. Não dá por mim até dois metros da porta, momento em que levanta a cabeça. Cumprimento-o com um aceno e sigo rua fora o caminho de casa, ficando sempre a pensar que tenho unicamente duas opções para enquadrá-lo: como uma personagem solitária do Realismo Poético de Jean Renoir, ou como uma possível projecção do meu próprio futuro. Cauteloso, fico-me somente pela primeira.