11.7.09

Depois de não sabermos nada dele há uns dias, destacaram-me, na qualidade de seu vizinho, para lhe fazer uma visita a casa e tentar perceber o que se estaria a passar. Aceitei, mesmo sem o conhecer muito bem, e com a morada no post-it amarelo escrito pela zelosa secretária do departamento despedi-me até ao dia seguinte com a promessa de novidades. No metro revia mentalmente a sua rua e situava a casa mais ou menos ao lado do take-away japonês onde às vezes comprava o meu jantar. Quando cheguei à porta vi que não estava enganado por aí além. Era um típico edifício de três andares, em tijolo escuro como quase todos os da vizinhança, cuja única singularidade na fachada era um autocolante em forma de uma metade de um coração, a esquerda, colado no vidro da janela. Nessa metade podia ler-se a frase 'Love is', caída assim incompleta e provocadora na minha própria distracção. Sem pensar no que seria ou deixaria de ser, toquei à campainha, esperei e notei que ao lado, no passeio, a japonesa da caixa registadora do minúsculo restaurante olhava para mim sem particular interesse enquanto fumava um cigarro. Acenei circunspecto. Não me respondeu, tal como tão-pouco o fizeram da porta. Repeti o toque, desta vez mais prolongado, igualmente sem qualquer resultado. Fi-lo ainda uma terceira vez ao mesmo tempo que esboçava um meio sorriso à japonesa desculpando-me talvez um pouco pela minha insistência. Resolvi esperar uns minutos e puxei de um cigarro. Dirigi-me a ela para lhe pedir lume e aproveitei para perguntar se conhecia um indivíduo que vivia naquele prédio e de quem eu estava à procura; um colega de trabalho, acrescentei. Descrevi-o brevemente e pareceu-me pensativa antes da resposta. Que sim, definitely, que costumava vê-lo entrar com a bicicleta e às vezes também lhe comprava algum combinado para levar para casa. Mas se o tinha visto ultimamente? Isso não, achava que não. Agradeci, atravessei a rua e tentei perceber o que se via para dentro do apartamento, no 1º andar. Nenhum movimento, nenhuma luz, e sem contar com o autocolante nenhum vislumbre do que quer que fosse. Nesse instante a japonesa acenou-me freneticamente e voltei a atravessar a rua ao seu encontro. Pelos vistos, depois de terminar a sua pausa comentou com o colega que estava alguém à procura do tipo do lado e o outro disse-lhe que ele se mudara. Mudara, perguntei, como assim? Que tinham visto há uns dias uma carrinha, uns homens a carregarem uns caixotes com ele a controlar tudo e que depois disso nunca mais apareceu. Fiquei a pensar no episódio durante a noite e na manhã seguinte contei a história na copa da empresa ao grupo da véspera. Uns ficaram surpreendidos, outros até insultados. Houve, porém, uma pessoa que ficou verdadeiramente chocada ao ponto de ter de sair repentinamente. No dia seguinte, ao chegar, reparei que a secretária não estava. A meio da tarde precisei de uns elásticos e fui vasculhar a sua prateleira de materiais. Por baixo de uma pilha de papéis azuis reconheço um autocolante em forma de uma metade de um coração, a direita, com as palavras 'the Only Answer'.

Ela apareceu uns dias depois francamente em baixo e notei posteriormente que o autocolante desaparecera da prateleira dos materiais. Nunca mais soube nenhum detalhe desta história. Eu próprio parti passado pouco tempo. Numa noite em que voltei ao take-away reparei que o autocolante da metade esquerda ainda continuava na janela do apartamento. Ao pagar, a japonesa comentou-me que a casa já tinha inquilinos novos. Deixaram o autocolante, disse eu, talvez procurem uma resposta numa outra metade. Ela sorriu, mas não percebeu do que eu estava a falar.