20.10.09

blame reece; or yates

Costumava chegar aos Domingos muito tarde. Via o quartel mal apeava na paragem de autocarro do outro lado da praça. Geralmente tinha tempo para jantar —antes de entrar e apresentar-me ao oficial de serviço— num café de esquina e fazer tempo pela hora limite de chegada: a meia-noite. Dos outros que como eu tinham tido licença de fim-de-semana, alguns já por lá estavam. Comíamos bifes de cebolada e compartíamos com as putas do jardim em tempo de folga as imagens na televisão. Elas eram velhas, nós éramos miúdos. Elas eram «colegas» porque no exército colegas são as putas e nós éramos «camaradas» porque no exército colegas são as putas. Jogava-se à moeda por mais uma rodada. A dona do café tinha uns arrumos ao fundo que nos deixava utilizar para trocar a roupa civil pela farda. Inicialmente, aquele buraco era o nosso último reduto de liberdade para o resto da semana. Entrando no quartel a nossa identidade seria aniquilada. Tornar-nos-íamos em apenas mais um recruta, um número, um apelido quanto muito. O processo não foi longo e ao fim de dois meses a liberdade foi totalmente recuperada. Mas há coisas que ficaram para sempre. Nomes de pessoas e de terras que nunca mais escutei na vida. Em sessenta dias os pontos de vista multiplicaram-se, alianças formaram-se. Num ambiente assim não há escapes para falsos caracteres. O que cada um é vem sempre ao de cima entre o esforço físico e a privação psicológica. Ficamos sobretudo a conhecermo-nos melhor do que conhecíamos. Tivemos sorte com o tenente do nosso pelotão. Era um homem justo e exemplar como o Sgt. Reece de Yates. Com a diferença que ficou connosco até ao fim, cumprindo assim o "objectivo que é a recruta". Talvez por isso tenha tido sempre a sensação que o serviço militar obrigatório não foi na realidade uma perda de tempo. Mesmo para um miúdo com dezoito anos.