all the rest comes afterwards
Não seria justo falar de suicídio sem falar de Camus. Não que ele o tenha cometido e tornado num paradigma, como sabemos tal nunca aconteceu, mas sim pelo seu contributo ao tema com o ensaio 'O Mito de Sísifo'. Camus afirma, e toscamente traduzo, que não há problema filosófico verdadeiramente sério como o do suicídio. Julgar se a vida vale ou não ser vivida equivale responder à questão fundamental da filosofia. Tudo o resto — se o mundo tem ou não três dimensões, se a mente tem nove ou doze categorias — vem depois. Ainda antes, no prefácio, Camus é peremptório: «mesmo não acreditando em Deus, o suicídio não é legítimo». Com esta frase renega igualmente aos ateus legitimidade para o acto, visto que os tementes a Deus não poderiam nunca cometer tamanho pecado de irreverência perante os desígnios do poder divino. Não deixa de ser uma frase curiosa de quem rejeitou a religião e por conseguinte Deus. Nesta sua assunção há claramente uma influência inconsciente do seu legado judaico-cristão; educativo. Talvez por isso ela seja, sobretudo, um erro. Como espectadores globais que somos e por muito que o condenemos, sabemos que existe precisamente o contrário: apenas acreditando em Deus —e por Deus— o suicídio é «legítimo». Mas igualmente por «paixão», como nos mostrou Stendhal, por «glória», como nos mostrou Schrader, ou por «honra», como nos mostrou Kobayashi. Camus que não venha com tretas.
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