16.11.09

bourgeois existence or suicide (3)

Calculo a distância do meu terraço até ao chão do logradouro. Cinco pisos vezes três metros cada um. No piso térreo há ainda uma clarabóia de vidro que ilumina uma cave. Mas digamos que esses metros adicionais da clarabóia ao chão da cave já não contam. Quinze metros, portanto, até ao primeiro embate; o que seguindo a fórmula clássica dá um tempo de queda de aproximadamente 1,75 ''. Imagino o salto. Elegante, se elegância for alguma vez possível para alguém do meu tamanho, e libertador. Talvez de olhos fechados, nos primeiros setenta e cinco centésimos de segundo. Imediatamente depois desse tempo dar-se-ia a tomada de consciência do acto único e do ponto de não retorno. E seria onde começaria o grito. Todos os que saltam gritam; de medo, diz-se. Terminariam — grito e medo — no choque com a estrutura de vidro. Estilhaços espalhar-se-iam por todo o logradouro e o corpo, mais lento, cairia os três metros adicionais até ao chão da cave. ** Mas eu estou ainda cá em cima, a imaginar toda a trajectória em câmara lenta com um interesse puramente cinematográfico. O cenário é agora violento e brutal. Um corpo nu, quebrado e rasgado, enroscado numa estranha e improvável forma. A mancha de sangue escuro, por trás, aumenta lentamente o seu diâmetro, criando uma moldura visceral ao espectáculo grotesco.

O suicídio físico é drástico e perturbador.
O emocional também, a diferença é que não se vê.