1.12.09

à la rue de faubourg du temple

Ao passar do outro lado da rua fria e molhada já se via o ambiente festivo no interior. Figuras estranhas movimentavam-se animadamente por trás da fachada de vidro escuro. A música, inesperadamente familiar, foi o apelo. Portuguesa, popular, jocosa e ordinária. Uma matrona de cabelo pintado de louro dançava sozinha, uns pares habitavam as cadeiras dispostas em fila ao longo do estreito bar. 'Du Centre', indicava o nome na porta quando entrei. Ocupei uma mesa ao canto e pedi um pernod.

Se era um bar de emigrantes portugueses, perguntei à senhora do balcão. Não, portugueses ali havia apenas um. E gritou pelo seu nome. José levantou-se e veio ao nosso encontro, apresentando-se. Respondi ao cumprimento e iniciámos uma breve conversa de circunstância até sermos interrompidos pela sua companheira de serão. Queria dançar, explicou-me. E ele fez-lhe a vontade. De volta à mesa, fiquei a observar aqueles dois. Ele, com fatiota de Domingo ruçada e amarrotada, andava na casa dos cinquenta. Era grisalho e não teria muito mais de 1,60m. Pouco depois soube que ela, embora dançasse como uma minhota, era afinal marroquina e que a justificação para os óculos escuros que trazia devia-se ao facto de não ter um olho. Eram ambos muitos magros, dois seres escanzelados que se mexiam com a desinibição que só o álcool ou a decadência proporcionam. Ninguém parecia reparar em ninguém, nem mesmo na matrona loura que ainda se abanava solitariamente com os olhos fechados; em transe, quase. Na mesa em frente à minha, uma asiática de maquilhagem carregada trocava carícias com um homem alguns anos mais novo.

Passaram outras músicas, acabou-se o pernod e foi então que o português voltou para retomar a conversa. Ainda ofegante, falou sobre a marroquina e contou que vive há mais de trinta anos em Paris. Excepto por dez, um retiro espiritual, palavras suas, em que esteve preso. Culpado ou inocente, perguntei. Culpado, respondeu com um sorriso malicioso. Esfaqueara o amante da mulher. Então «inocente», corrigi eu. Riu-se e voltou à vida dele. Deixei-lhes paga uma rodada no balcão e saí. De novo na rua e na chuva, veio-me à ideia um velho ditado popular: homem pequenino, velhaco ou dançarino. José, pelos vistos, era os dois.