do espírito da quadra
Mesmo tendo sido educado na religião católica —que por tradição familiar e aulas de catequese (uff) me levou até à Comunhão Solene— nunca fui verdadeiramente crente do Acto e do Mito. O meu entendimento da matéria tem-se desenvolvido com os anos e poderá classificar-se como um evolutivo agnosticismo cínico. Acreditar superficialmente que o homem um dia terá a capacidade (embora no fundo pense o oposto) de resolver mistérios divinos que conscientemente acho que não existem, (não obstante sentimentalmente prefira estar enganado). É desta forma que olho para o 'Dr. Jivago' de Pasternak. Há algo de messiânico nele, coisa que com alguma força de vontade também conseguimos encontrar no burro 'Balthazar' de Bresson. Lutou contra as misérias e as dores dos outros com altruísmo e enfrentou o pior da natureza humana —aquilo que só a guerra provoca— com coragem. A fome despoletou a Revolução e esta o saque e a pilhagem. Por sua vez, tudo junto provocou o êxodo do nosso bom doutor e poeta. Mostrou-se sempre sensível e terno, para com os seus e perante os demais. A sua mensagem não é declaradamente pela Palavra, como num profeta bíblico para uma audiência atenta, nem mesmo pela Poesia para uma legião de seguidores. É antes pelo exemplo de estoicismo. Não sei, (nem me interessa), se Pasternak (nascido judeu) foi um fervoroso crente em qualquer religião. Acreditou, isso sim, nos homens. Tanto nas suas virtudes como nas suas desgraças. Jivago aparece remotamente à minha imagem subconsciente como o seu Cristo. Talvez por isto, o épico de David Lean (après Pasternak) é dos melhores filmes para o aborrecido espírito de compaixão da quadra. Pelo menos para alguém como eu.
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