19.2.10

Estávamos em 2005, no Inverno do meu descontentamento e a meio do Verão Indiano. Aterrei em Mumbai de madrugada e sem nada marcado apanhei um rick-shaw para me levar para algum ponto da cidade afastado do centro. Largou-me trinta minutos depois à porta de uma pensão. Os passeios estavam cobertos de homens e mulheres a dormir, enroscados uns sobre os outros; havia cães, também. O meu quarto tinha como janela uma gelosia quebrada e dela percebia o silêncio da rua e da noite. Adormeci enrolado num lençol como se fosse uma mortalha egípcia, esquecendo-me assim dos mosquitos e das ratazanas que se faziam sentir. Quando acordei, com a azáfama urbana, defini o mais próximo de um programa para os dias seguintes. Fotografar Darukhana — os homens e os barcos — e seguir depois para noroeste em direcção ao Paquistão, numa viagem de 16 horas de comboio até Ahmadabad, no estado do Gujurat. Dali logo veria o que fazer. Instalei-me num hotel muçulmano com ventoinha e calcorreei a cidade de uma ponta à outra. Os dias passaram e as fotografias começavam a contar uma história. Uma vez em Ahmadabad, segui de autocarro para Bhavnagar, povoação distante com sabor a pó. Estava a menos de 50 quilómetros de um dos meus destinos principais: os estaleiros de shipbreaking. Os dias seguintes foram passados entre lentas manobras burocráticas para conseguir uma autorização para os visitar. Fechavam-se portas; mais do que se abriam. Mudei-me para outra povoação, mais a sul. Quando adoeci, estava alojado na única pensão da terriola, misto de hotel e bordel. A noite foi de um horror solitário, entre vómitos e velhos fantasmas, acompanhado unicamente com o barulho das putas e dos clientes no corredor. Quarenta horas depois estava numa cama do Brittish Hospital, em Goa, chegado mais morto que vivo. Por lá fiquei os oito dias seguintes, a soro e delírios, até à lenta recuperação da tão esperada independência. Depois, nas praias do sul, convalesci. Ao ponto de sentir-me novamente capaz de viajar e voar. Para o Bangladesh. Em Dhaka tinha um amigo, e esse amigo, sendo muçulmano, fez com que todos os seus amigos fossem meus amigos também. Falou-me da sua cultura e anos mais tarde convidou-me para o casamento. Não pude ir, mas nesses dias fui pela costa, atravessando um país de água, outra vez à procura dos barcos desossados e das suas carcaças que marcam o território. Fotografei-os nas proximidades de Chittagong. Ao segundo dia o grupo terrorista Jama'atul Mujahideen Bangladesh fez explodir bombas pela cidade. Regressei à Índia e de lá para cá, pensando agora que a viagem valeu apenas o que valeu. Dos slides que voltaram comigo, escolheram-se dez. Expostos agora em grande formato no Museu do Oriente até dia 4 de Abril. A inauguração é hoje, dia 19 às 18.30h.