10.6.10

the similarities of our hells (3)

Bruno Ganz em 'Dans la Ville Blanche' (1986), de Alain Tanner

Sentia-se a apatia dos dias que se repetiam embrulhados em melancolia. Regras, tarefas, horários, aspirações, tudo isso se esquecera e parecia naquele momento fazer parte de uma nebulosa de outros tempos, de outros carnavais. Talvez fossem inocentes — sem dúvida que o eram — mas de certeza disponíveis. Para os outros; para mim. Depois a tomada de consciência, o peso das coisas, o golpe da vida. Reequaciona-se, repondera-se, talvez até se fuja, dirão alguns em última análise. Como se Ordem & Caos baralhassem e voltassem a dar. Sem saber o quê ou de quê, espera-se. Age-se não agindo, faz-se não fazendo, segue-se não seguindo. A inércia como o mote, ou quem sabe apenas uma vontade crua e instintiva disfarçada de derrota e desilusão que supere tudo o resto. Uma pausa na vida não é mais do que um ulterior e nuclear desejo de recomeço. É neste ponto de tangência que reconheço no marinheiro da 'Cidade Branca' de Alain Tanner um homem universal. Intemporal, desagregado, apátrida e nómada. Perdido. As semelhanças dos nossos infernos? Nada poderia vir mais a propósito. Ele, sei-o, fui eu num tempo não muito distante. Num tempo em que também deixei o meu cargueiro zarpar ficando assim por terra a ver navios. De copo de whisky na mão, por entre a fresta de uma janela.