7.7.10

Analisem-se os factos: 18ème siècle à la campagne. Emma foi educada num convento de freiras do qual saiu no final da adolescência para ir ajudar o pai viúvo nas lides da propriedade rural. Na sua educação —sentimental, ou não viesse de Flaubert— leu clandestinamente cartilhas românticas e noveletas de cordel. Criou imaginários fabulosos, colocando-se inevitavelmente como mais uma protagonista dos seus enredos. Conheceu então o bom doutor Bovary, parolo e puro, no qual projectou as crescentes ambições e desejos; de amor & aventura. Já casada, do matrimónio pensou que não podia acreditar que a calma na qual vivia era a felicidade que um dia tinha sonhado. Caíra numa vida de rotina e improdutividade, rodeada, como a própria explica, de imbecis de classe-média e de mediocridade existencial. Aspirava a vida dos nobres. Longínquos, pródigos como reis, ambiciosos e cheios de ideais. Como coloca Flaubert —e arrisco-me a traduzir — confundiu no seu desejo as sensualidades do luxo com as delícias do coração, a elegância dos costumes com a delicadeza de sentimentos. Sentiu-se sozinha e náufraga, isolada. Incompreendida. De seguida vieram os caprichos e as crueldades para os que a rodeavam. Por último, para com esses mesmos, o desprezo. Então, e só depois de tudo isto, finalmente traiu.

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Vejamos os dias de hoje: les temps hypermodernes. O casamento ainda tem toques de conveniência: por ascensão social, um preconceito vencido explicado por Marivaux; por razões económicas e por razões de visto e cidadania. Mas maioritariamente o casamento celebra-se por amor, dizem, e por paixão, confirma-se. Ou seja, casa-se por que se quer e não porque tem de ser. Mas, também maioritariamente, um dia amor e paixão acabam, dando lugar a fraldas e divórcios. Ou seja, poucos ficam casados sem querer e porque tem de ser. Nesta conjuntura que a própria estatística corrobora, (em Portugal por exemplo, o ano de 1960 teve 749 divórcios e cerca de 71000 casamentos; em 2008 os valores rondaram os 26000 e os 40000, respectivamente), não há razão para infidelidades e vidas duplas.

Excepto a falta de alguma das seguintes coisas: educação, carácter ou tomates.