Usavas os meus óculos de nerd nessa noite. Enquanto bebíamos copos nos bares de putas que Tanner filmara tantos anos antes de nós. Éramos cúmplices de estrada e desejo, unidos na desgraça do abandono da fé nos outros e da crença em nós próprios. Lado a lado no balcão, olhávamo-nos olhos nos olhos pelo espelho à nossa frente, camuflado por garrafas e autocolantes, patinado por décadas de noitadas, fumo espesso de tabaco preto e reflexos de desilusões esquecidas em tragos de whisky barato. Depois dançámos no vazio, perante a torpe e escassa assistência, desinteressada da vida, de mim e de ti, até a noite passar e a porta da rua se abrir, deixando antever a passagem dos fornecedores matinais, dos últimos bêbados, do primeiro eléctrico. Lembro-me do teu olhar em mim enquanto rodopiávamos —volta após volta após volta após volta— atingindo o momento em que os pontos de luz se tornam linhas multicolores, rápidas e vertiginosas. Sorrias, embriagada pelo delíquio e pela tua paixão pela queda, perigosa e mortal, inconsciente, agarrada ao meu pescoço num abraço visceral. Eu, a rocha, tu o pássaro perdido que nela pousa. Perguntaste-me quando foi que eu soube. Pois bem, foi aqui. Exactamente aqui.