23.6.11

outras coisas

Retomo o hábito matinal do jogging no McCarren Park e pelo caminho atravesso o despertar da vizinhança que um dia foi um dos redutos hopperianos da cidade. Por Berry Street reparo que os outrora armazéns e pequenas casas familiares dão agora lugar a novos condos e lotfs desvirtuados do seu conceito original. As fachadas de madeira e tijolo são substituídas por outras de alucobond e alumínio, os pequenos comércios e cafés dos rés-do-chão por ginásios de condomínio com fachadas de vidro; casas de três pisos por edifícios de seis, de nove, de doze. Tal situação, para além de revelar o habitual e inevitável progresso, demonstra duas outras particularidades: a idealização de um novo território pela agressividade e pressão do Real-Estate —destinado a yuppies e novos-ricos— e um narcisismo autoral que nele encaixa sem qualquer ideologia e/ou identidade estéticas. Por aqui nunca se ouviu falar em regionalismo crítico. Como tão-pouco se ouviu falar de tantas outras coisas.

10.6.11

landing

Antes de aterrar o comandante anunciava os noventa e oito graus Fahrenheit. Em terra sentia-se cada um deles multiplicado por um índice de humidade na casa dos noventa por cento. Depois de atravessar o Hudson e chegar à cidade o céu finalmente abriu deixando cair uma trovoada de Verão que transformaria a ilha numa poça imprópria para a altura do ano. Costuma-se dizer que boda molhada é abençoada. Espero que das «chegadas» se diga o mesmo.

8.6.11


Não penses que ficas no cais. / Na verdade / sei / vens já comigo, / lado a lado / sem oceanos de permeio / nem noites de lágrimas / de medos idos.

sena e borges

Numa mala onde o excesso de peso já há muito passou o excesso de peso, há apenas lugar para o melhor. Um pouco de casa com um, um pouco de fantasia com outro. Algo que é preciso, in the wild land of hyper-reality.

6.6.11

da abstenção

Abstiveste-te de tudo.
No Domingo de quem governaria, na segunda-feira de nós.

41,1%

Quarenta e um vírgula um por cento de taxa de abstenção significa acima de tudo que quarenta e um vírgula um por cento da população eleitoral portuguesa não se importaria de viver em regime autocrático e/ou totalitário. A quarenta e um vírgula um por cento, a democracia só dá trabalho.

5.6.11

a matilha

Consigo, mesmo nas vésperas do meu regresso definitivo aos EUA, vir votar e cumprir assim o meu «direito e dever de cidadão português num estado democrático». Voto na freguesia do Coração de Jesus, em Lisboa, e por coincidência o ainda primeiro-ministro em gestão —que também é eleitor nesta freguesia—veio votar ao mesmo tempo que eu. Escusado será dizer que o circo mediático à volta do stand está montado: dezenas de jornalistas, cameramen, fotojornalistas e alguns curiosos esperam em matilha a chegada do político e o momento do seu voto. Esgueiro-me entre eles, entro e uma vez no interior coloco-me discretamente à margem do caos e longe do alcance das câmaras, preferindo votar apenas depois do espectáculo passar. E é nesta espera que tenho a oportunidade de ver a matilha em acção. Os jornalistas comportam-se de uma maneira deplorável, atropelando tudo e todos à sua frente (colegas mas sobretudo eleitores) para o melhor ângulo, a melhor imagem, o melhor comentário. Eu acredito que cada um deva fazer o seu trabalho o mais profissionalmente possível, mas ver o comportamento de merda destes adultos é francamente lamentável. À saída, vendo o batalhão de câmaras apontadas à porta, digo-lhes na cara o que acho: uns animais, umas bestas-quadradas. Uma pivot presente concorda comigo, os restantes nem por isso.