21.4.12

da multidão

Ao longo dos seus textos Benjamin demonstra que a subliminar obsessão pela multidão  — talvez por esta ser um reflexo da transformação da civilização  não é unicamente sua. Cita Poe, Balzac, Stevenson, Hugo, Dickens, Engels, Shelley. Todos eles (e ela), muito antes dele, sentiram o tal turbilhão de uma força centrífuga que Baudrillard, muito depois dele, descreve. Contudo, as passagens transcritas pelo alemão são propositadamente contraditórias: uns encontraram na vertigem da multidão um elemento inspirador (Dickens); outros, algo aterrador (Shelley). Benjamin tenta com isto provar que as expectativas e experiências individuais foram factores decisivos para múltiplas definições do então «novo» fenómeno social e urbano. Também por isso  nasceram da multidão novos arquétipos tão contrastantes como complementares. Victor Hugo por exemplo era um cidadão-herói (héros-citoyen) pois a sua experiência com a multidão estava no interesse pelas massas que o idolatravam enquanto homem de sucesso. O «flanêur», Balzac ou Baudelaire por exemplo, aparece na antítese, como o anti-herói, personagem camuflada cuja aspiração não é mais do que o anonimato e a observação. Quanto a mim, a multidão não me interessa no sentido que faço parte dela, sem heroísmos ou niilismos, apenas como mais um peão na rotina diária de um percurso mais ou menos fixo. Observo-a distraidamente e sem qualquer interesse; de igual maneira que distraidamente e sem qualquer interesse a multidão me observa a mim.