31.10.12

the aftermath

Só no seu rescaldo tive por fim uma visão ampla das mortes e estragos causados pelo furacão. Por duas razões: a) ter novamente acesso a informação actualizada que descreveu com minúcia todo o impacto, de Jersey a Long Island; e b) ver em primeira mão algumas das zonas afectadas. Passei dezoito horas na minha bicicleta a percorrer a cidade. Vi as caves inundadas em Red Hook, com os passeios cheios de detritos e os residentes desolados; e as árvores e os taipais arrancados de Carrol Gardens a Fort Greene, Brooklyn. Em Manhattan, de Battery Park a Wall Street, o excesso de água ainda corria livremente pelas ruas. Por todo Downtown até Midtown encontravam-se fachadas e passeios desfeitos, filas à porta das mercearias e supermercados que, à luz de velas e lanternas, tentavam ajudar os clientes com bens de primeira necessidade. Quase um milhão de pessoas sem electricidade. Nestes termos, a noite foi um caso particular e sombrio. Do ponto central da Williamsburg Bridge era possível ver metade da ilha num apagão total. Deambular pelas ruas de Manhattan nestas condições foi ainda mais assustador. Tudo estava irreconhecível, sem formas nem pontos comuns. A geografia do quotidiano desaparecera. Guiei-me apontando a lanterna às placas com os nomes das ruas nos cruzamentos. Não havia outras referências visíveis para além destas: nem um néon, um bar, um interior de um banco, nada. / Anoto: 

         Uma cidade nocturna é perigosa; uma cidade às escuras é mortífera. Todos são suspeitos, todos são o perigo — todos agem com cautela e se esquivam. Na escuridão não se distingue o samaritano do atacante. Uma metrópole mergulhada no breu é um palco de todas as indefinições e incertezas, purgatório terreno de muitos arrependidos. 

Regresso já noite dentro a Williamsburg, a casa, pela ponte que leva mesmo nome. Revejo mais uma vez o cenário de negrume e incertezas atrás de mim, onde unicamente as luzes das dezenas de carros-patrulha trazem animação e quem sabe consolo. Todas as fachadas estão escuras, sem luz. Tal como metade da ponte —a metade de Manhattan. Pequenas multidões atravessam-na para algo melhor em Brooklyn, num semi-êxodo urbano que me faz ecoar a definição de Paul Virilio no seu Futurism of the Instant: um dia todos seremos exilados e refugiados sem nações, apenas homens e mulheres em fuga.