twenty four hours with Sandy
Horas antes do furacão Sandy chegar à cidade o meu portátil, num timing perfeito, pifou. Passei as seguintes vinte e quatro do recolher forçado num blackout informativo: sem computador desde o lanche, sem telemóvel desde o Natal, sem rádio ou televisão desde sempre, a minha percepção da evolução da tormenta deu-se pela mais empírica das formas: espreitar por entre a fita preta colada nas janelas e ver se a árvore da frente ainda estava de pé ou não. Dediquei-me à leitura. Li o "Correction" do Bernhard quase de uma ponta à outra; li Artaud, Barthes, o catálogo Ikea por duas vezes e a posologia dos antibióticos para a minha infecção do ouvido esquerdo. Li também os menus dos restaurantes chineses, mexicanos, italianos, vietnamitas e um crioulo que se amontoavam na caixa do correio. Sem telefone ou internet fiquei sem saber se algum deles entrega em tempos de furacão. Talvez o crioulo, por ser do Caribe, possa estar habituado a estas coisas. Comi então pão com queijo e duas latas de salsichas; e bebi leite meio-gordo e água engarrafada à discrição, tudo fruto das minhas compras pré-catástrofe na sexta-feira anterior. Fiz abdominais, flexões, limpei o pó e ataquei o saco da lavandaria com os vinte e oito pares de meias para emparelhar. No final sobrou uma que usei para olear os travões e as correntes das bicicletas. Aproveitei o tempo livre para esquissar e cheguei mesmo a fazer uma "composição abstracta a pastel" muito bonita que foi directa para o caixote do lixo depois de acabada. Fiz mais abdominais, mais flexões e bebi um pouco mais dos oito litros de água engarrafada da minha reserva pessoal. Com a ajuda de um livrinho que comprei numa feira da ladra treinei código-morse no tecto com a minha lanterna nova. E aprendi a fazer um relógio de sol às escuras. A árvore continuava no passeio quando adormeci. Tal como quando acordei. O furacão entretanto já tinha passado, deixando tudo escaqueirado à sua volta.
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