o quinto império
Kierkegaard – que afinal não casou – dedicou alguma prosa e pensamento ao assunto. No único livro que li seu pode ler-se logo ao início o lema Shakespeareano ‘better well hanged tan will wed’. Porém, ao contrário de um Shakespeare irónico, o dinamarquês compreendia que a parte nefasta no casamento poderia vir de si. Na sua vida encontramos a prova: aos vinte e seis anos enamorou-se de Regine Olsen, de quinze, propô-la em casamento, ao qual ela disse que sim, e cerca de um ano depois cancelou, deixando-a. Durante esse período percebeu que a sua excessiva melancolia iria aniquilar a energia e a virtude intocável de Olsen. A sua verdade no amor, apetece dizer, foi o altruísmo. Por outro lado, podemos pensar que foi fraco por acreditar que não melhoraria pelo amor, o que nesta linha leva a concluir que a cobardia foi a sua pequena mentira.
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Quanto a mim, que também reconheço no meu carácter e espírito uma certa melancolia e outros defeitos, decidi prosseguir com uma decisão que partiu de mim mas que foi recebida com felicidade, nervoso miudinho e paixão. Sabia, no entanto, que corria o risco de poder vir a corromper um lado inocente e sonhador que deveria ser conservado para sempre. Ao ter consciência de um possível embrutecimento provocado pela rudeza do meu carácter e mesmo assim avançar, a minha verdade não seria mais do que o egoísmo. Não obstante, em toda a sua ingenuidade e candura havia da mesma forma uma obscuridade que ultrapassava em muito a minha melancolia. A esse lado negro procurei levar luz, o que poderia indicar que a minha verdade fosse afinal o altruísmo. Foi nesta segunda construção que tentei enganar-me a mim mesmo. Mas logo em seguida deixei-me de coisas: essa verdade seria uma grande mentira. Como a pequena mentira do Kierkegaard foi a sua verdade.
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