17.11.12

the first of the gang to die

Vejo o camião que vem a larga velocidade à minha direita apanhar-me pelo flanco. Oiço ainda o chiar dos travões, o baque seco da colisão, o esmagamento dos ossos e o tecido muscular rasgar-se em pedaços pelos pneus robustos. Continuo a atravessar a rua e do passeio olho para a cena com calma. Transeuntes gritam em terror, o condutor está boquiaberto e apático, com um olhar incrédulo para o meu corpo desfeito como uma boneca de trapos. Ninguém sabe o que fazer e penso que talvez seja melhor eu pedir a alguém que chame uma ambulância para ir recolher aquela massa inerte transformada em cadáver. Observo com atenção e vejo que não é preciso preocupar-me. Uma mulher de meia-idade está já de telemóvel na mão a reclamar ajuda. Umas adolescentes choram e o senhor indiano da mercearia anda aos círculos, em transe, talvez por conhecer-me há muito tempo e estar em choque com o sucedido. Reparo que a minha carteira está a uns metros do corpo. Pergunto-me quem a levará, se os paramédicos a recolherão para a colocar num saco de plástico transparente ou não. Foi nesta mesma esquina que há uns meses uma senhora idosa escorregou e ficou imóvel no chão. Da minha casa ouvi o alarido das pessoas que a ajudavam e levei uma pequena manta para lhe colocarem debaixo da cabeça. Essa manta foi com ela na maca quando a levaram e eu nunca a recuperei nem interesse tive nisso. Estou nesse mesmo ponto que estava há uns meses quando a ambulância chega e vejo os paramédicos dirigirem-se ao meu corpo da mesma forma que se dirigiram ao da senhora idosa. As pessoas são agora muitas que se amontoam para ver de perto um morto. O óbito é declarado no local e enfiam o meu cadáver num saco preto. A carteira é recolhida num outro, transparente. A ambulância parte, os transeuntes dispersam em sussurros. Volto para casa a pensar no ocorrido. Disseste-me um dia que eu teria de morrer para nascer de novo. Parece-me que foi o que aconteceu.