30.6.07

factory girl

assim, sem uma única vírgula (2)

De alguma forma o estilo narrativo de Easton Ellis é em si mesmo uma analogia à maneira como as suas personagens vivem e encaram a vida: num fôlego, num ápice, sem pausas - entre sexo, drogas e rock 'n roll.

assim, sem uma única vírgula

"I had gone with him to the emergency room at the hospital and had watched as they cleaned the wound and washed the blood off and started to sew in the wire until I started feeling sick and then I went and sat in the waiting room at five o'clock in the morning and heard The Eagles sing 'New Kid in Town' and I wanted to come back."

'Less Than Zero'
Bret Easton Ellis, 1985

29.6.07

os últimos cinco



Excepto o do Bergman, que comprei ainda em Barcelona e o deixei na minha casa de lá, todos os demais li (ou estou ainda a ler) desde que estou a viver em Nova Iorque. São por isso as minhas leituras mais recentes; há outras soltas pelo meio que não contam, coisas de 'trabalho'. Foi uma pena ler Camus em inglês, por exemplo, mas o meu francês não está (ou não é) assim tão bom. Vou a meio do Midnight's Children do Rushdie e o da Jane Jacobs leio-o aos bocados. Et c'est ça.
[Para a Sara, que me desafiou].

Adenda: vejo que me esqueci do 'Stories' de John Cheever. Li-o há um par de semanas. Leitura recente, portanto.

28.6.07

os fantasmas shakespearianos



'Ghosts of Cité Soleil' é o documentário que todos gostávamos de ter filmado. É cru e tenro, violento, trágico e apaixonante. Foi filmado em Cité Soleil, no Haiti, (a zona considerada pela ONU como a mais perigosa do Mundo em 2005) por Asger Leth durante o período em que os 'rebeldes' conquistavam o país e venciam as tropas do presidente Aristides. Em Cité Soleil imperam os gangs de rappers criminosos e fiéis ao governo; são o seu exército inexistente e off the record. Toda a transformação política deste período do país é captada por Leth mas o autor dinamarquês centra-se sobretudo no conflito das duas personagens principais da sua história: Bily e 2Pac, ambos rappers e líderes de gangs rivais. O documentário assume proporções shakespearianas quando sabemos que Bily e 2Pac são irmãos e que se respeitam e amam mas que vivem uma relação de amor e ódio, divididos pela luta pelo poder. E para cúmulo, a um dado momento, ambos se apaixonam pela mesma mulher.
Na foto: 2Pac, (just like the american) e Lele.

reacção em cadeia

Lele, observadora internacional francesa no Haiti, apaixona-se por um homem como 2Pac pela força primitiva que vê nele; pelo poder marginal que ele representa e pelo lado humano e sensível que ele vai demonstrando mas que teve apenas que ser o mais forte para sobreviver.

Um homem normal apaixona-se por uma mulher como Lele por ela se apaixonar por um homem como 2Pac.

[Melhor: um homem normal apaixona-se por uma mulher como Lele pela sua coragem, pela sua determinação, pelo seu altruísmo e pela sua total ausência de preconceito. Assim é que é.]

20.6.07

ode (em prosa) ao fim

Disse-me na cara que os meus olhos já viram Paixão e Ódio, Gloria e Infortúnio. Que as minhas mãos já tocaram mortos e vivos, que sentiram o peso da terra molhada e a inconsistência da areia do deserto. Que caminhei por pastos secos e terrenos pantanosos. Que me afoguei, que me salvei, que fui Jonas e Judas, que fui todos e nenhum. Disse-me que amei, que rezei, que acreditei; que vi alegria na miséria e decadência na felicidade. E que voei, que ardi, que sobrevivi: sobretudo que sobrevivi. E no fim disse-me que ganhei e perdi mas que a ela nunca a vi. Então eu, como Meursault, uma vez mais fiquei calado. E finalmente sorri.

faz parte do jogo (2)

O fim, como o princípio, também faz parte do jogo e todos temos a obrigação de sabê-lo.
Podemos é não aceitá-lo, mas isso é já outra história.

19.6.07

no 'estrangeiro', de camus,

Meursault diz várias vezes que ficou calado; que nada disse pois nada tinha para dizer.
Eu estou na mesma.

16.6.07

faz parte do jogo

Há uma passagem na fábula 'O Cavaleiro Inexistente' na qual Calvino nos descreve o encontro entre os jovens Rimbaut e Bradamante: 'Ela grita-lhe, não o aprecia. Ele não sabe que isso faz parte do jogo.' Na adolescência é impossível sabê-lo mas é assim mesmo: o jogo é sujo; ou tenta quase sempre sê-lo, pelo menos.

a vontade das coisas

Às vezes há coisas que eu tenho vontade.
Mas a vontade das coisas, por vezes, é mais forte do que eu.

o primeiro mês: overdose fotográfica (entre os museus de manhattan, as galerias de chelsea, o magnum festival 2007 and my own camera)


Uncommon Places
by Stephen Shore



Spider's Strategy, Tokyo pictures
by Osamu Kanemura



Istanbul: City of a Hundred Names
by Alex Webb



Pictures from a Vanished Country:
East Germany in the 1970's
by Thomas Hoepker



Awakned
by David Lachapelle



An American Index of the Hidden and Unfamiliar
by Taryn Simon



"You Are the Measure"
Gordon Matta-Clark"



Lou Reed curates New York Genius
Colectiva, Magnum Group. Photo: Burt Glinn



Satellites
by Jonas Bendiksen



Greek-American
by Constantine Manos



Six-Day War and the Yom Kippur War
by Micha Bar-Am



Chim: photographs
by David Chim Seymour

14.6.07

tarde de chuva

Não há relações imberbes, disse.
Pois não, apenas o são numa escala temporal.

sem saber bem como

ainda há cigarros que me sabem à adolescência. Na primeira passa.

a midnight valium for a good night sleep

Num sonho, depois de abandonado pelos amigos vejo-me rodeado por uma improvável chuva de tigres brancos que ao tocarem o solo vou amainando sucessivamente. Ao lado, um coro cantava num adro de uma igreja.
Acordei com sede; também me lembro disso.

13.6.07

to bad writing (3)



The Lesbian Pulp-Fiction. De culto, (para os homens).

12.6.07

duas linhas

apenas para dizer que Marion Cotillard, para além de ser uma mulher bonita, é uma actriz do caraças. Senão veja-se 'La Môme Piaf'; a força da representação não vem toda da caracterização ou do poder metamórfico da maquilhagem.

9.6.07

mulheres dos nossos tempos



Marion Cotillard, actriz francesa, 31 anos.
Ou por assim dizer, uma certeza optimista.

(2)a

Mas por vezes, e afortunadamente, as certezas são optimistas e o pessimismo não passa de uma promessa. No fundo, é o equilíbrio do mundo.

8.6.07

(2)

O elo que une uma certeza pessimista a uma promessa optimista é a continuidade. Independentemente da ordem, uma vem sempre depois da outra.

au hasard

Depois de um jogging extenuante, vou para a cama cedo e exausto. Mas a leitura obsessiva de 'O Estrangeiro', de Camus, traz camuflada a insónia. Acabo o livro e esqueço-me do cansaço. Penso em Meursault e no Acaso; penso nas palavras do escritor que descreveu a situação como 'a nudez de um homem face ao absurdo'.

7.6.07

homens de outros tempos

albert camus

do absurdo

Camus disse que a maneira mais absurda de morrer seria num acidente de automóvel. Aos cinquenta e sete anos quarenta e seis morreu num acidente de automóvel. No bolso do casaco trazia um bilhete de comboio por utilizar com o mesmo destino para o qual se dirigia de carro. Na sua morte, elevou o seu estimado Existencialismo Absurdo ao expoente máximo. Na própria pele.

to bad writing (2)



Tudo o que um homem necessita saber sobre os outros homens (os bons e os maus), as mulheres (as boas e as más), as armas de fogo automáticas e política internacional. Aos 15 anos.

to bad writing

Foi com algum pesar que constatei que Mickey Spillane, o meu autor pulp-fiction favorito, está out-of-print nos Estados Unidos. Junte-se a este facto a proibição de fumar em recintos fechados e de as bebidas alcoólicas serem interditas a menores de vinte e um e podemos ver que os homens já não crescem como noutros tempos. Como nos meus, por assim dizer.

dedicatória (2)

Em 'Pulp', Bukovski é peremptório. Na dedicatória lê-se to bad writing.

dedicatória

Na primeira página de 'On Bullshit', ensaio irónico sobre as mentiras da sociedade de informação, o filósofo Harry G. Frankfurt dedica o livro a Joan, sua mulher. Depois coloca uma vírgula e acrescenta verdadeiramente.

6.6.07

sonata a um homem bom



O filme 'A Vida dos Outros' [Das Leben der Anderen', de Florian Henckel von Donnersmarck] aborda o período da RDA anos antes da queda do muro de Berlim e conta a história de um homem, Wiesler, oficial da Statsi que tem como missão vigiar secretamente Georg Dreyman, escritor e dramaturgo de sucesso e aparentemente conivente com o regime. Na escuta permanente ao quotidiano de Dreyman, o solitário e frio Wiesler acaba por apaixonar-se pela intensidade do escritor pela vida, pela forma como este sente a amizade, o amor, a música, a literatura.
Mais do que uma história de espionagem o filme mostra uma história de metamorfoses. De como um homem cinzento, determinado e frio, embora justo, se emociona com o Belo e com a Paixão e se torna permissivo; e de como outro homem, obediente e conivente, se revolta e torna subversivo na procura da justiça e da liberdade.

mesmo em nova iorque, paris, je t'aime

Em 'Paris, je t'aime' - dezoito curtas de vários realizadores em dezoito bairros de Paris - podemos facilmente reconhecer o quão variado é o olhar sobre a espécie humana. Nesta Babel cinematográfica, onde Paris e o Amor são apenas pretextos, encontramos melancolia, inocência, pureza, sátira, surrealismo, crítica social, pedagogia, pessimismo, paixão, alegria, tristeza, nostalgia. E de todas as histórias houve uma que me tocou particularmente. Foi aquela em que, salvo as óbvias e devidas dissemelhanças, me senti interiormente retratado.
Mas é claro que as óbvias e devidas dissemelhanças fazem toda a diferença.

marathon man. 1976, john schlesinger

Hoje, o momento mais cinematográfico de todos:
o meu primeiro jogging em Central Park.

4.6.07

busy nights, the 2007 sundance film festival at the brooklyn academy of music



3.6.07

o engano de george moore

George Moore uma vez escreveu que um homem percorre o mundo à procura do que necessita e regressa a casa para encontrá-lo.
George Moore estava enganado.