24.11.09

the myth of sisyphus



Sísifo, eternamente condenado à tarefa inútil.
Aquele a quem Camus chamou de «herói absurdo», «proletariado dos Deuses».

all the rest comes afterwards

Não seria justo falar de suicídio sem falar de Camus. Não que ele o tenha cometido e tornado num paradigma, como sabemos tal nunca aconteceu, mas sim pelo seu contributo ao tema com o ensaio 'O Mito de Sísifo'. Camus afirma, e toscamente traduzo, que não há problema filosófico verdadeiramente sério como o do suicídio. Julgar se a vida vale ou não ser vivida equivale responder à questão fundamental da filosofia. Tudo o resto — se o mundo tem ou não três dimensões, se a mente tem nove ou doze categorias — vem depois. Ainda antes, no prefácio, Camus é peremptório: «mesmo não acreditando em Deus, o suicídio não é legítimo». Com esta frase renega igualmente aos ateus legitimidade para o acto, visto que os tementes a Deus não poderiam nunca cometer tamanho pecado de irreverência perante os desígnios do poder divino. Não deixa de ser uma frase curiosa de quem rejeitou a religião e por conseguinte Deus. Nesta sua assunção há claramente uma influência inconsciente do seu legado judaico-cristão; educativo. Talvez por isso ela seja, sobretudo, um erro. Como espectadores globais que somos e por muito que o condenemos, sabemos que existe precisamente o contrário: apenas acreditando em Deus —e por Deus— o suicídio é «legítimo». Mas igualmente por «paixão», como nos mostrou Stendhal, por «glória», como nos mostrou Schrader, ou por «honra», como nos mostrou Kobayashi. Camus que não venha com tretas.

16.11.09

bourgeois existence or suicide (3)

Calculo a distância do meu terraço até ao chão do logradouro. Cinco pisos vezes três metros cada um. No piso térreo há ainda uma clarabóia de vidro que ilumina uma cave. Mas digamos que esses metros adicionais da clarabóia ao chão da cave já não contam. Quinze metros, portanto, até ao primeiro embate; o que seguindo a fórmula clássica dá um tempo de queda de aproximadamente 1,75 ''. Imagino o salto. Elegante, se elegância for alguma vez possível para alguém do meu tamanho, e libertador. Talvez de olhos fechados, nos primeiros setenta e cinco centésimos de segundo. Imediatamente depois desse tempo dar-se-ia a tomada de consciência do acto único e do ponto de não retorno. E seria onde começaria o grito. Todos os que saltam gritam; de medo, diz-se. Terminariam — grito e medo — no choque com a estrutura de vidro. Estilhaços espalhar-se-iam por todo o logradouro e o corpo, mais lento, cairia os três metros adicionais até ao chão da cave. ** Mas eu estou ainda cá em cima, a imaginar toda a trajectória em câmara lenta com um interesse puramente cinematográfico. O cenário é agora violento e brutal. Um corpo nu, quebrado e rasgado, enroscado numa estranha e improvável forma. A mancha de sangue escuro, por trás, aumenta lentamente o seu diâmetro, criando uma moldura visceral ao espectáculo grotesco.

O suicídio físico é drástico e perturbador.
O emocional também, a diferença é que não se vê.

post-mortem

Um dos detalhes menos esperados no suicídio de Theresa Duncan foi o facto de poucos meses depois terem surgido dois posts no seu blogue. Theresa agendara-os para que aparecessem com alguma distância temporal (e emocional) dos acontecimentos. Um relata uma pequena história de coincidência ou misticismo, com o actor Basil Rathbone na primeira pessoa, e outro, o último, uma citação e um poema, ambos de T.S. Eliot. Jeremy nunca chegou a lê-los.

11.11.09

bourgeois existence or suicide (2)

Existência burguesa ou suicídio. O manifesto da peça de Bruckner leva-me a uma outra memória: os suicídios de Theresa Duncan e Jeremy Blake a meio de 2007. A história dramática e romântica rebentou na cidade como uma bomba. Vi a notícia em parangonas no popularucho Post, num metro em hora-de-ponta a caminho de Downtown, entre opiniões trocadas por diversos passageiros. As teorias de conspiração multiplicaram-se nos dias posteriores, com nomes à mistura como o de Beck ou o da Igreja de Cientologia. Mas o que parece ser verdade é que quase uma semana depois do suicídio de Theresa por ingestão de comprimidos, aos 40 anos, Jeremy, de 35, lançou-se nu ao mar na praia de Rockaway Beach ao sul de Brooklyn. A este casal de bem-parecidos e sucedidos artistas residentes em NYC, juntos há mais de dez anos, a Vanity Fair dedicou um artigo que apelidou de 'The Golden Suicides'. Estão bonitos e serenos na fotografia, iluminados pela mesma luz intensa e saturada com que Edward Lachman fotografou o filme das virgens de Coppola. No bilhete encontrado nas roupas de Jeremy dizia I am going to join the lovely Theresa. Espero que o tenha conseguido.

10.11.09

fashion victims

Muitas mulheres teimam em seguir tendências cujas roupas em nada favorecem 1) o seu corpo e 2) a sensualidade feminina. Como se elas não soubessem ou nem sequer sonhassem o que mais ou menos agrada a um homem. Mas bem, compreendo que na verdade se estejam nas tintas. As mulheres vestem-se para agradar exclusivamente às mulheres. O que nos leva a uma outra conclusão: de todas, as maiores vítimas da moda são os homens.

bourgeois existence or suicide

Uma pausa na leitura de 'Twenty Thousand Streets Under the Sky', trilogia de Patrick Hamilton que ainda ando a ler, faz-me reparar com calma no marcador improvisado: um postal da peça 'Pains of Youth' do Bruckner que fanei da bilheteira do National Theater. No verso pode ler-se: Bourgeois existence or suicide. There are no other choices.

Curioso, mas tem tudo a ver com o livro.

8.11.09

six kinds of terrain

Copyrigth Image: Marina Ballo Charmet

Sun Tzu said: We may distinguish six kinds of terrain, to wit: (1) Accessible ground; (2) entangling ground; (3) temporizing ground; (4) narrow passes; (5) precipitous heights; (6) positions at a great distance from the enemy.

Eu diria o 2.

o conhecimento possível (4)

No seu histórico livrinho 'A Arte da Guerra' (século VI a.C.), Sun Tzu dedica um capítulo ao 'Terreno' e à importância dos seus reconhecimento e classificação. Perceber a topografia, a vegetação existente e as características climatéricas e consequentemente categorizá-las é fundamental para a construção da táctica bélica. O conhecimento das condicionantes e potencialidades geográficas como elementos determinantes para o sucesso de uma acção é assim milenar. Seja em rocha, areia, gelo, pele, carne ou osso.

das tendinites; efeitos secundários

Temporariamente fechado em casa limitado por uma tendinite no ombro esquerdo, percorro estes anos de blogue como quem folheia um jornal antigo. Há, no entanto, uma diferença fundamental: uma velha notícia já não impressiona — ou não impressiona tanto como o fez à data da sua actualidade — da forma como um velho post o pode fazer a quem o escreveu. A notícia, sendo de (e sobre) outros, adquire com o tempo um certo e natural distanciamento. Um post será assim o oposto pois é uma memória pessoal, uma reaproximação a um determinado momento realmente vivido. Custa menos folhear jornais antigos.

relação a três

O homem, a mulher e o telefone dela.
O pouco estimulante threesome do século XXI.

falar verdade a mentir

Como testado e provado, por vezes deverá fazer-se como naquela peça do Almeida Garrett e falar verdade a mentir. Ao que parece, ele sempre o soube; Garrett o sedutor, a quem um dia chamaram uma espécie de homem-fatal.

7.11.09

o conhecimento possível (3)

Isto de conversar com um determinado tipo de mulheres e levar a coisa a bom porto, como se sabe, não é algo que se aprenda assim do pé para a mão. Convém treinar alguns termos de substituição a certos adjectivos perigosos e outros tantos guias de conversação para situações delicadas. Em termos comportamentais, para começar, se uma mulher for notoriamente femininista chamamos-lhe 'perseverante', se for autoritária escolhemos 'empreendedora' e se for parva tratamo-la por 'mimada'. Quanto às questões físicas — porque há sempre questões físicas — se estiver um pouco magra dizemos 'elegante' mas demasiado magra dizemos 'muito esguia'. Se estiver um pouco gorda será igualmente 'elegante' mas para demasiado gorda a palavra adequada será 'voluptuosa'. Se estiver no ponto, sem dúvida que é 'muito elegante' o comentário correcto e depois disso tentamos não ser muito indiscretos. Numa óptica intelectual, se for um pouco burra dizemos 'distraída', se for demasiado burra dizemos que temos de ir ter com uns amigos. Se for pouco inteligente respondemos 'talvez, quem sabe?' em vez de 'não', se for o contrário respondemos 'talvez, quem sabe?' em vez de 'sim'. Se for pouco culta falamos de best-sellers, se for demasiado culta provavelmente deverá ser igualmente demasiado feia e aborrecida e por isso dizemos que temos mesmo mesmo de ir ter com uns amigos. Isto de conversar com mulheres e levar a coisa a bom porto, como se sabe, não é algo que se aprenda assim do pé para a mão. Não obstante, aumentar o conhecimento vale o esforço. O conhecimento possível, acrescento, que mesmo assim é sempre muito pouco.