29.12.09

a trilogia da cidade

A trilogia 'A Cidade' (1965), da autora grega Lula Anagnostaki (1940), coloca-nos num ambiente nebuloso de intenções e veracidade. Esta falta de nitidez provoca uma ruptura na mensagem — ou uma incomunicabilidade — entre as próprias personagens e igualmente para com o espectador/leitor. A verdade em cena é como um jogo do gato e do rato. Há insinuações e acusações, avanços e recuos, meios-ditos e não-ditos que espessam a inexpressiva ligne de vérité a um campo dúbio e pantanoso. Encontramos resquícios de outros. 'A Parada', terceira parte da trilogia, leva-nos remotamente ao 'Silencio' (1963) de Bergman. A reclusão de dois jovens irmãos (neste caso um de cada sexo) perante uma acção externa desconhecida do espectador que vai evoluindo de maneira hedionda e grotesca, passando-se assim de um espaço pequeno e exíguo — um quarto com uma única janela — para um lugar de memória histórica e colectiva. Em todas as partes da trilogia esta memória — a Ocupação Nazi — é constante e vincada.

Encontram-se ainda outras referências no teatro de Anagnostaki. O crítico britânico Howard Loxton menciona a de Pinter pelo sentido de ameaça e a relação disfuncional das suas personagens. Anagnostaki não me parece tão subtil como Pinter — ou a sua ameaça não é tão subtil como a de Pinter — pois há nitidamente uma concretização. A fleuma emocional grega tão-pouco se aproxima da britânica e da sua contenção característica. Anagnostakis é mais temperamental, menos pausada e elíptica; mais realista. O seu universo é igualmente um espaço contido mas o que interessa vai para além dele. E não apenas metaforicamente, como a Memória em Pinter. A cidade está para lá das quatro paredes e as personagens apresentam-na entre verdades e mentiras. Como, aliás, apresentam tudo o resto.