30.7.10

this photograph is my proof



O trabalho de Duane Michals (1932) começa por pôr em causa as próprias capacidades do meio que explora: reconhece a Fotografia como um reprodutor fiel da realidade mas considera-o igualmente incompleto. Nas célebres sequências, conjuntos de imagens que tentam repetir uma lógica cinematográfica de fotograma-a-fotograma, procurou criar uma narrativa visual que contasse uma história (provavelmente um magnum effect de Robert Capa e Cartier-Bresson) e que proporcionasse leituras paralelas — seja por objectivismo, seja por insinuação. 'Chance Meeting' (1970) por exemplo, preenche o requisito deixando no ar um propositado sentimento inconclusivo e de ameaça latente, produto de derivações casuais. Para o artista norte-americano a imagem singular não é suficiente para o seu fim. Esta precisa de elementos adicionais e é com base neste pressuposto que Michals se torna num pioneiro de foto-narrativas, trazendo dados complementares pessoais dos retratados ao observador. As suas fotografias legendadas, à semelhança do que poderíamos encontrar no verso de muitas fotografias de álbuns de família, acentuam a expressão barthesiana de duplo perene. Elas são nitidamente a taxidermia desse ter existido. Ou melhor, são a derradeira prova. Para os outros. Look, see for yourself.

28.7.10

voici les temps des précipitations

Rosa não partiu por antecipação a Paul, por pressentir que ele o faria antes de si. Partiu sim por julgar que Paul — numa repentina e inexplicável ausência — o fizera, abandonando-a às memórias de um (breve) quotidiano a dois. Mas Paul fora uma vítima das circunstâncias, essas partidas do Acaso, e estava ainda na cidade a recuperar de um esfaqueamento no peito. Na semana que o marinheiro suíço passou no hospital, anónimo e isolado, Rosa emigrou, deixando para trás o cenário insuportável e supostamente vazio da sua paixão. Paul procurou-a quando saiu, apenas para descobrir que ela já estava por França, sem morada ou paradeiro. É esta a particularidade do final do filme de Tanner: o desencontro vindo de uma acção precipitada sobre um contexto que mais tarde se mostra errado. São tantas as pressas e os medos que fica sempre tudo perdido. Muito antes do tempo.

27.7.10

voici les temps de modération

Perante o inchaço do pé e com o resultado das análises na mão, a médica falou em ácido úrico e em gota. Depois proibiu-me carnes novas, caça, enchidos e marisco. E álcool, perguntei. Álcool muito menos, respondeu-me. «Pois», conclui, tal e qual como o faria Maynard, que afinal só bebia copos de leite.

Não se é menos assassino a soldo ou detective privado por isso.

24.7.10

summer reminder; life reminder

'Affair in Trinidad' (1952), de Vincent Sherman

22.7.10

matching

Numa relação a dois a perfeição não existe. O mais próximo de tal condição será a compatibilidade. Compatibilidade das imperfeições. Imperfeições de cada uma das partes.

20.7.10

love jogging

Primeiro corri eu com ela. Depois correu ela comigo.
No fim corremos os dois um com o outro.

13.7.10

call mr. yates



Ele teria aqui muito para dissecar.

12.7.10

'L'air de Paris' (1954), de Marcel Carné

Marcel Carné, nos anos 1950, filmou o ar de Paris nas ruas ao longo do Sena, nos bares de Les Halles, nos quartiers típicos, nos encontros entre aristocratas e operários e nas tardes de boxe na Central. Filmou também as aspirações e os sonhos de um velho campeão projectados num homem novo e com potencial; um vadio sem rumo. Nesse ambiente —ou um outro ar de Paris— de ginásio carregado a cheiro de suor frio e âmbar gasto, a relação entre mestre e aprendiz é explorada com cargas de paternalismo e rebeldia onde as mulheres de ambos funcionam como pontos de equilíbrio opostos. Sente-se igualmente uma ode à fraternidade masculina. Ambígua, não pela prática típica e o contacto físico que um desporto como o boxe exige mas pelo olhar de Carné. Roland Lesaffre, interpretando o jovem atleta, vê a sua personagem ganhar relevo e protagonismo ao longo da narrativa. Gabin irrita-se e no final das filmagens cessa a sua colaboração com o realizador. Compreenda-se: é que de homoerotismos, Carné era adepto, Gabin nem por isso.

7.7.10

Analisem-se os factos: 18ème siècle à la campagne. Emma foi educada num convento de freiras do qual saiu no final da adolescência para ir ajudar o pai viúvo nas lides da propriedade rural. Na sua educação —sentimental, ou não viesse de Flaubert— leu clandestinamente cartilhas românticas e noveletas de cordel. Criou imaginários fabulosos, colocando-se inevitavelmente como mais uma protagonista dos seus enredos. Conheceu então o bom doutor Bovary, parolo e puro, no qual projectou as crescentes ambições e desejos; de amor & aventura. Já casada, do matrimónio pensou que não podia acreditar que a calma na qual vivia era a felicidade que um dia tinha sonhado. Caíra numa vida de rotina e improdutividade, rodeada, como a própria explica, de imbecis de classe-média e de mediocridade existencial. Aspirava a vida dos nobres. Longínquos, pródigos como reis, ambiciosos e cheios de ideais. Como coloca Flaubert —e arrisco-me a traduzir — confundiu no seu desejo as sensualidades do luxo com as delícias do coração, a elegância dos costumes com a delicadeza de sentimentos. Sentiu-se sozinha e náufraga, isolada. Incompreendida. De seguida vieram os caprichos e as crueldades para os que a rodeavam. Por último, para com esses mesmos, o desprezo. Então, e só depois de tudo isto, finalmente traiu.

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Vejamos os dias de hoje: les temps hypermodernes. O casamento ainda tem toques de conveniência: por ascensão social, um preconceito vencido explicado por Marivaux; por razões económicas e por razões de visto e cidadania. Mas maioritariamente o casamento celebra-se por amor, dizem, e por paixão, confirma-se. Ou seja, casa-se por que se quer e não porque tem de ser. Mas, também maioritariamente, um dia amor e paixão acabam, dando lugar a fraldas e divórcios. Ou seja, poucos ficam casados sem querer e porque tem de ser. Nesta conjuntura que a própria estatística corrobora, (em Portugal por exemplo, o ano de 1960 teve 749 divórcios e cerca de 71000 casamentos; em 2008 os valores rondaram os 26000 e os 40000, respectivamente), não há razão para infidelidades e vidas duplas.

Excepto a falta de alguma das seguintes coisas: educação, carácter ou tomates.

1.7.10

Teresa Madruga em 'Dans la Ville Blanche' (1986), de Alain Tanner

Uma mulher será sempre um ponto de partida. Para um porto de chegada.