A midnight valium for a good night's sleep / "you will ride life straight to perfect laughter, it's the only good fight there is". Roll the Dice, C. Bukowski
É durante a aterragem que percebemos a verdadeira dimensão da metrópole. Vinte e um milhões de habitantes espalhados por um planalto perdido entre a encosta de um vulcão adormecido e um horizonte esmagado pelo nevoeiro de uma poluição crescente. Em terra, à imagem aérea do caos urbano juntam-se os milhares de detalhes de cada esquina, quase sempre vontade mimética das anteriores e das que lhe seguirão. Uma seriação em si, código genético de uma banalidade; dado comum multiplicado até ao infinito cujo resultado é sempre igual a si mesmo. Os logótipos, as cores das fachadas, os carros, os sons, as pessoas. Tudo se repete, das casas de venda aos stands de tacos. / Cenários. / Mas são esses mesmos detalhes que depois de uma e outra vez / embora semelhantes / se tornam particulares, reconhecidos na sua unicidade que paradoxalmente é plural, de todos os que formam as partes. Pontos de referência camuflados, jogos subtis entre o viajante e a sua estranha envolvente de múltiplas dimensões, esquema de espelhos e planos. Tudo parece ser o que nem por isso é. Até que chegamos ao local do nosso destino, onde tudo é o que nem por isso parece ser.
E assim entrámos naquilo que Borges descreve como uma dessas amizades inglesas, que começam por excluir a confidência e que muito rapidamente omitem o diálogo.
Para quem tem a maioria da bibliografia do senhor no original em espanhol, ler Borges em inglês quase que nem é desculpável. Mas tal como a ocasião faz o ladrão, da mesma maneira a oportunidade seduz o curioso. E a pequena edição, com um par de «novas histórias entre muitos dos seus clássicos», seduziu-me. Mesmo em inglês; ou uma questão de força das circunstâncias.
«He and my father had entered into one of those close (the adjective is excessive) English friendships that begin by excluding confidences and very soon dispense with dialogue.»
Foi pelas onze da noite, quando ainda estava na lavandaria à espera que o secador de roupa terminasse, que vi pelos néones da montra passar o carro lá fora. Uma fracção de segundos. Um vulto de um homem ao volante. Ao seu lado, na fraca luz do habitáculo, uma mulher pintava os lábios com a ajuda do espelho do pára-sol. Tinha um ar concentrado e distante. Uma acção banal, repetida no quotidiano. Um fotograma de uma cena doméstica, urbana, comum que antecipa a «festa», o «evento social» e que em mim nada mais ilustrou do que um possível momento antes da desgraça; de um acidente, de uma desfiguração. Onde os outros vêem diversão unicamente antevejo tragédia. Uma tragédia em si, isto, também.
«In May 1950, a group of New York painters wrote a letter to the Metropolitan Museum of Art protesting its anti-abstract bias in the selection of painters for the exhibit American Painting Today 1950. The letter appeared in the NY Times and the Herald Tribune. A photo of the group taken Nov. 24, 1950 appeared in Life's Jan. 15, 1951 issue, captioned Irascible Group of Advanced Artists Led Fight Against Show».
Pictured from left rear: Willem De Kooning, Adolph Gottlieb, Ad Reinhardt, Hedda Sterne; next row: Richard Pousette-Dart, William Baziotes, Jimmy Ernst, Jackson Pollock, James Brooks, Clyfford Still, Robert Motherwell, Bradley Walker Tomlin; foreground: Theodoros Stamos, Barnett Newman and Mark Rothko. Missing from photo: Weldon Kees, Fritz Bultman and Hans Hofmann. Photographed by Nina Leen for Time/Life, 1951.
Troquei os cigarros pelo cachimbo. Por uma questão de ritual, sobretudo. O trabalho em Downtown é exigente. As relações profissionais são complexas —talvez mais do que as tarefas em si. O cachimbo proporciona-me um momento de relaxamento, à hora de almoço em frente ao rio, ou à noite ao chegar a casa. Colocar o tabaco, pressioná-lo para a firmeza certa, acendê-lo lentamente em inalações compassadas. Deixar depois o sabor rolar na boca e expelir o fumo branco, espesso. Dos vários tipos de cachimbos prefiro o Billiard, clássico e perfeito. E dentro dos rituais do cachimbo há também os de limpeza: da raspagem da câmara do fornilho ao interior da haste com um escovilhão. Tudo parte de um todo, do tal ritual. Coisas que vêm com os anos, parece-me.