Os protestantes da ocupação de Wall Street voltaram à carga e montaram agora quartel-general na escadaria do George Washington Memorial onde se preparam para o primeiro de Maio. A polícia veio depois e balizou-os com um gradeamento de rua. Sentiram-se então muitos incomodados
—pois indignados já o eram— os seis senhores que lá estavam com quatro cartazes e mais um rafeiro de lenço ao pescoço e cauda pintada de verde-alface. Os turistas, de traje apropriado para a prática do montanhismo, adoram a situação emergente, fotografam a medo e sorriem condescendentes para os niilistas de bolso, como sempre o têm feito desde que esta saga começou. No vórtice do triste espectáculo, o único que se safa é o cão. A ver se um dia destes lhe levo um osso.
27.4.12
21.4.12
a casa
Explicava-lhe que a essa casa onde se passaram essas coisas ficava ao lado de uma antiga loja de ferragens que depois se tornou numa venda de tecidos, rés-do-chão de um prédio destruído e outrora situado numa esquina que hoje em dia já não existe. E a casa, acabou por perguntar, ainda existe? Mas o seu interlocutor desaparecera entretanto.
da multidão
Ao longo dos seus textos Benjamin demonstra que a subliminar obsessão pela multidão
— talvez por esta ser um reflexo da transformação da civilização — não é unicamente sua. Cita Poe, Balzac, Stevenson, Hugo, Dickens, Engels, Shelley. Todos eles (e ela), muito antes dele, sentiram o tal turbilhão de uma força centrífuga que Baudrillard, muito depois dele, descreve. Contudo, as passagens transcritas pelo alemão são propositadamente contraditórias: uns encontraram na vertigem da multidão um elemento inspirador (Dickens); outros, algo aterrador (Shelley). Benjamin tenta com isto provar que as expectativas e experiências individuais foram factores decisivos para múltiplas definições do então «novo» fenómeno social e urbano. Também por isso nasceram —da multidão— novos arquétipos tão contrastantes como complementares. Victor Hugo por exemplo era um cidadão-herói (héros-citoyen) pois a sua experiência com a multidão estava no interesse pelas massas que o idolatravam enquanto homem de sucesso. O «flanêur», Balzac ou Baudelaire por exemplo, aparece na antítese, como o anti-herói, personagem camuflada cuja aspiração não é mais do que o anonimato e a observação. Quanto a mim, a multidão não me interessa no sentido que faço parte dela, sem heroísmos ou niilismos, apenas como mais um peão na rotina diária de um percurso mais ou menos fixo. Observo-a distraidamente e sem qualquer interesse; de igual maneira que distraidamente e sem qualquer interesse a multidão me observa a mim.
17.4.12
origem
Em 'A une Passante', Baudelaire encanta-se por uma mulher que passa por si na rua mas num portentoso jamais reconhece a impossibilidade de um futuro reencontro. Benjamin revê nesta solução uma fórmula social da cidade moderna que é palco de uma flanerie activa de encontros & desencontros; e por isso lugar de desencantos, desilusão. O amor do poeta não foi assim à primeira vista, promissor na sua progressão a caminho de um objectivo, de uma conquista. Foi, ao contrario, à ultima vista, extático em si mesmo e pré-condenado, vítima de uma condição da nova velocidade dos tempos. Na leitura de Benjamin transparece uma percepção nítida do desapontamento que a modernidade trouxe no aniquilamento do indivíduo e dos seus prazeres. Essa sua desilusão leva-me para outro autor que também se deixou seduzir pelo lado perverso da multidão. Em 'America', Baudrillard dedica um capítulo (algures já transcrito por aqui) à análise da metrópole e aos seus fluxos, movimentos, velocidades. As considerações e receios de um encaixam nas desilusões e medos de outro. A cidade moderna, longe das Arcadas, como a máquina imparável e impessoal, colosso monstruoso perante a natureza humana. Entre os dois textos estão mais de cinquenta anos de diferença. Benjamin, por isso, será o pós-modernista original.
16.4.12
neo-post-modern sunday
De papo-para-o-ar no McCarren Park, reparo como os transeuntes dariam personagens perfeitas de a) um filme do Rohmer —elas; b) um livro do Easton Ellis —eles. A nostalgia da estética pós-moderna está de volta, como é sabido. Não tão sabido é que estava de volta tão em grande.
13.4.12
Walter Benjamin, do epicentro à tangente, diagrama
Faço no meu caderno um pequeno diagrama sobre a metodologia ensaística de Benjamin. Desenho um ponto rodeado por um círculo —o seu tema central— onde de seguida o quadrante esquerdo desse mesmo círculo se torna no ponto comum tangencial a círculos cada vez maiores. Este afastamento gradual do ponto central mas de alguma forma mantendo-o dentro do círculo exemplifica a capacidade reflectiva de Benjamin: não obsessivamente dedicado a um assunto, apenas também muito interessado em tantos outros.
12.4.12
the burning of Paris
Tomo nota da frase e imagino-a como a) um título de Wenders; b) uma letra de Cohen.
Um ou outro, mas de 1981.
Um ou outro, mas de 1981.
11.4.12
10.4.12
l'obsession de la ligne droite
Do Barão Haussmann, a notória obsessão pela linha recta e pelo culto do eixo fez com que, no século XIX, a cidade de Paris se transformasse na figura urbanística apoteótica aspirada por Napoleão III. Para a implantação das grandes avenidas idealizadas por Haussman, tecidos da cidade pós-medieval foram destruídos numa série de expropriações mais ou menos (in)justificadas. Haussmann o político, consciente do efeito colateral do seu projecto moderno e megalómano, auto intitulava-se com cínica vaidade de artist démolisseur. Numa série de ensaios sobre Baudelaire e a sua contemporaneidade, Walter Benjamin relata num pequeno texto as motivações de Haussman para além das estético-urbanistas — ou aquilo que foi apelidado de «embelezamento estratégico»: o urbanismo faustoso como corolário do Second Empire mas também como prevenção de uma guerra civil. O alargamento das ruas para largas avenidas impediria a construção de barricadas revolucionárias da mesma forma que o percurso entre os subúrbios do proletariado e os quartéis militares seria mais rápido e directo. Mas a medida mostrou-se ineficaz e durante a Comuna de Paris, no rescaldo da derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana, as barricadas tornaram-se mais fortes e seguras do que alguma vez tinham sido. Algo dramático e vagamente vingativo, Benjamin conclui: «the burning of Paris was the worthy conclusion of Haussmann's work of destruction».