31.1.08
Dizem-me que não compreendem a minha adoração pela Michelle Monaghan. Dizem-me que ela, e cito, "nem é nada de especial, tem um nariz horroroso e os olhos demasiado perto um do outro". Confesso que fico confuso. Confesso que com esta sensibilidade de canastrão nunca reparei no nariz da actriz. Volto então a olhar para as fotos e vejo que o nariz me parece perfeitamente normal e que sim, tal como sempre a vi, a miúda é gira que se farta. Mesmo assim ando às voltas a pensar o que camandro quererá dizer 'olhos demasiado perto um do outro'. Procuro no Google e nada; e mesmo na refinada busca em inglês "eyes too close to each other" não consigo encontrar a resposta. Comparto a dúvida com um colega que por sua vez comparte a sua opinião comigo, deixando-me assim rigorosamente na mesma. Chamamos uma terceira pessoa, desta vez do sexo feminino, e ela entende exactamente o que o comentário quer dizer e também acha que sim, que o nariz é horroroso e que ela (a Michelle) nem é nada de especial. Mais uma prova de que os homens e as mulheres vêem realmente o mundo de maneiras diferentes e de que eu não deveria nunca mais seguir esta inclinação de ser um homem civilizado e achar que somos todos iguais.
Bem, não há como começar o dia com a deliciosa dor-de-corno feminina.
Bem, não há como começar o dia com a deliciosa dor-de-corno feminina.
30.1.08
a derrota
Convidam-me para um almoço no Jean-Georges e na web leio que jackets are required. São os requintes de mesquinhez da burguesia no seu melhor.
E eu, rendido, lá vou de blazer.
E eu, rendido, lá vou de blazer.
29.1.08
o mito do Amor Incondicional morreu
E isto é tão verdadeiro que o único verbo realmente adequado para falar de amor é o Condicional: Ela amaria se. Pois no amor —independentemente do [seu] passado ou futuro— há sempre uma condição.
O que vier, se vier, só virá depois disso.
O que vier, se vier, só virá depois disso.
28.1.08
hiper-modernidade (3)
Nos dias de hoje as mulheres já não coram por vergonha, pudor ou desejo.
Nos dias de hoje a culpa é do ar condicionado.
Nos dias de hoje a culpa é do ar condicionado.
25.1.08
24.1.08
o burguês
Harry Haller é o fugitivo, o que se esconde. Não de um crime & castigo mas da sociedade em geral, primeiramente, e dele próprio consequentemente. O intuito da sua fuga nasce de uma crescente aversão à burguesia; mais do que a restritiva do sentido marxista, Haller foge da burguesia moral, a balzaquiana, essa classe híbrida que não fode nem sai de cima, que se perde em ambiguidades e dualidades morais e não terá nunca a largesse da aristocracia ou a dignidade do povo. Ou como o próprio Hesse descreve, a que nunca se sacrificará ou entregará à embriaguez ou ao ascetismo, a que nunca será mártir nem consentirá o seu aniquilamento; a que quer servir a Deus mas também aos prazeres terrenos.
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Haller, como Santo Agostinho que pedia a Deus castidade e continência mas não para já, sofre também desse confronto interior comum a tantos homens: a admiração, ou talvez deva dizer a atracção, pelo objecto do seu desprezo. Porque se por um lado Haller despreza a burguesia, por outro não resiste ao encanto do seu charme — discreto, como diria Buñuel — e é na pulcritude das decentes casas de família que encontra lugar para o seu auto-infligido isolamento.
**
Hesse utiliza em Haller a metáfora do lobo da estepe para reforçar o caminho solitário, e porque não a solidão? —embora não sejam a mesma coisa— e enfatiza desta forma o carácter mais ferino e primitivo da sua personagem: a fera eremítica no meio dos homens. O livro, mais do que qualquer outra coisa, é uma caracterização literária que foca a consistência de um retrato psicológico.
**
Considerado o trabalho mais autobiográfico do escritor, percebe-se que o charme da burguesia seja substituído pelo charme do misticismo, do exotismo da cultura oriental e pelo aparente desinteresse do mundo material. Haller reflecte essa tendência. E é neste ponto que se sente a decepção. Hesse era, apesar de tudo, um burguês e Haller é feito à imagem de Hesse. Quando o escritor procura criar "O" niilista literário por excelência, fica demasiado preso às suas próprias limitações. A devoção ao espírito e a vida contemplativa que definem o carácter de Haller entram em colisão com a descrença de tudo e todos que define o carácter de um niilista. Por isso mesmo Haller não é "O" niilista, é apenas um misantropo que recusa o seu passado e a sua educação burguesa mas não ao ponto de largar o conforto que ela proporciona. O Haller de Hesse é excêntrico e comodista e talvez no fundo isso seja, para gáudio absoluto, a mais elevada condição da bourgeoisie.
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Ofereceram-me o livro com a dedicatória este és tu.
Estão muito bem enganados.
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Haller, como Santo Agostinho que pedia a Deus castidade e continência mas não para já, sofre também desse confronto interior comum a tantos homens: a admiração, ou talvez deva dizer a atracção, pelo objecto do seu desprezo. Porque se por um lado Haller despreza a burguesia, por outro não resiste ao encanto do seu charme — discreto, como diria Buñuel — e é na pulcritude das decentes casas de família que encontra lugar para o seu auto-infligido isolamento.
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Hesse utiliza em Haller a metáfora do lobo da estepe para reforçar o caminho solitário, e porque não a solidão? —embora não sejam a mesma coisa— e enfatiza desta forma o carácter mais ferino e primitivo da sua personagem: a fera eremítica no meio dos homens. O livro, mais do que qualquer outra coisa, é uma caracterização literária que foca a consistência de um retrato psicológico.
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Considerado o trabalho mais autobiográfico do escritor, percebe-se que o charme da burguesia seja substituído pelo charme do misticismo, do exotismo da cultura oriental e pelo aparente desinteresse do mundo material. Haller reflecte essa tendência. E é neste ponto que se sente a decepção. Hesse era, apesar de tudo, um burguês e Haller é feito à imagem de Hesse. Quando o escritor procura criar "O" niilista literário por excelência, fica demasiado preso às suas próprias limitações. A devoção ao espírito e a vida contemplativa que definem o carácter de Haller entram em colisão com a descrença de tudo e todos que define o carácter de um niilista. Por isso mesmo Haller não é "O" niilista, é apenas um misantropo que recusa o seu passado e a sua educação burguesa mas não ao ponto de largar o conforto que ela proporciona. O Haller de Hesse é excêntrico e comodista e talvez no fundo isso seja, para gáudio absoluto, a mais elevada condição da bourgeoisie.
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Ofereceram-me o livro com a dedicatória este és tu.
Estão muito bem enganados.
23.1.08
22.1.08
21.1.08
"I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: 'We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal'."
Hoje, a terceira Segunda-Feira de Janeiro, feriado nacional. Dia de Martin Luther King, o optimista.
Hoje, a terceira Segunda-Feira de Janeiro, feriado nacional. Dia de Martin Luther King, o optimista.
a sedução em Resnais
A sedução em Resnais, como em tantos outros, ao invés de ser acto unicamente provocado por um estímulo físico, ou pela necessidade de concretizar uma paixão ou um desejo, é também uma atracção, é certo, mas revelada por uma luta de poderes, por um combate entre a submissão e a resistência. Em Resnais, como em tantos outros, no fim ganham sempre as mulheres; e os homens, (mesmo quando parece o contrário), nunca saem vitoriosos.
Como neste blogue, por exemplo.
Como neste blogue, por exemplo.
l' année dernière à marienbad
'L' Année dernière à Marienbad', (1961), é uma história de ilusões; de espelhos e reflexos, de quimera e realidade. É um jogo de fugas, encontros e confrontos. X, ou o Estranho, volta a Marienbad um ano depois para receber a sua promessa: a fuga de A, a mulher casada, com ele. No entanto ela nega-lhe tudo. Mesmo assim, ele continua: persegue-a, relembra-a, instiga-a, provoca-a. A narrativa interrompe-se continuamente voltando ao ponto anterior, tornando-se num movimento elíptico onde o presente se mistura com a memória e o passado com a fantasia. Ela diz-lhe que não o conhece e ele responde-lhe que sim, que o conhece, mas que faz um esforço para não se lembrar. Ela diz-lhe outra vez que não o conhece, mas tão-pouco se vai embora.
18.1.08
das referências
Se 'O Estrangeiro', de Camus, com o seu absurdo do Acaso é um dos meus livros, será igualmente justo dizer que 'L' Année dernière à Marienbad', de Resnais, com as suas variações do Acaso é um dos meus filmes. No fundo — como Meursault — ando à deriva. No fundo — como o Estranho — ando ao engano.
face to face
O plano Bergman em Alain Resnais.
Ou talvez deva dizer o plano Resnais de Bergman em Resnais.
16.1.08
o que fica
Tirando a década em que fiz râguebi, tempo suficiente para partir os dentes da frente, e dois meses de pólo aquático antes disso, tempo suficiente para convencer-me que definitivamente não sou um ser anfíbio, o meu desporto só poderia ter sido o judo, pois, se bem me lembro, o judo ensina a cair — e era isso, acima de tudo, o que eu precisava de aprender.
As lições ficaram para a vida.
As lições ficaram para a vida.
um dia de inverno
O dia está de chuva e a luz opaca no ar torna a atmosfera densa e pesada. O fumo sai das cloacas; escutam-se milhares de sussurros e outras tantas sirenes. A multidão reflecte-se no asfalto molhado, proporcionando um sinistro bailado visual com os seus chapéus-de-chuva negros. Os rostos estão escondidos. Todos, não somos mais do que sombras em movimento.
O dia está de chuva e a luz opaca no ar torna a atmosfera densa e pesada. Dizes-me que 'hoje, isto parece o Inferno'. Sei que o dizes sem pensar; sei que tu, melhlor do que ninguém, sabes que o Inferno não é assim.
14.1.08
como o cachecol que se larga ao vento e pinta as fachadas de amarelo
Se eu contasse uma história poderia fazer como o Boris Vian fez no 'Outono em Pequim', que afinal, como alguém lembrou, não se passava no Outono nem tão-pouco em Pequim. Se eu contasse uma história seria sobre um homem, que afinal não era um homem, e sobre uma mulher que afinal não era uma mulher. Contaria a história da sua paixão, que afinal não era paixão nem tão-pouco era sua. Mas no fundo não seria uma história, nem tão-pouco seria para ser contada.
niilismo
Estou para aqui a pensar no 'Diário Secreto de Adrian Mole na Crise da Adolescência' que eu lia na crise da infância e que seguramente com ele aprendi o significado de niilismo. Quando o Adrian Mole quis ser niilista, eu também quis ser niilista. Ele não conseguiu e eu também não.
Contudo, já estive mais longe — e entretanto o meu alter-ego infantil casou-se.
Contudo, já estive mais longe — e entretanto o meu alter-ego infantil casou-se.
ny, geografia urbana (2)
Mudo-me do Upper West Side para o Lower East Side. E ao contrário do que a toponímia possa sugerir esta mudança é um bom negócio. Para o meu estilo de vida, pelo menos.
10.1.08
o caminho
O axioma que afirma que 'se caminhares sempre somente metade da distância que te falta percorrer nunca chegarás ao destino final' não é apenas uma progressão geométrica decrescente. É também uma definição de carácter. Quem faz as coisas a medo nunca chega a lado nenhum.
as soon as I can
She turn around in his arms to face him and asked: "You'll come tonight?" He shook his head gently. "Not tonight." / "Soon?" / "Yes." / "How soon?" / "As soon as I can."
'The Maltese Falcon', (1930), de Dashiell, as usual, Hammett.
'The Maltese Falcon', (1930), de Dashiell, as usual, Hammett.
8.1.08
o que resiste
A minha confiança na fé humana começa em mim mesmo: quase lá, mas nunca lá. E francamente, devo dizê-lo, assim não há confiança na fé humana que resista.
6.1.08
'jour de fête'
'Jour de Fête', de Jacques Tati, é aquele que supostamente seria o primeiro filme francês a cores. No entanto, em 1949, foi estreado a preto e branco. Há pouco, na Film Society, o crítico de cinema Jonathan Rosenbaum explicava a história.
Tati, graças a um processo experimental conhecido como Thomson-Color, a putativa alternativa tecnológica de França à americana Technicolor dos grandes estúdios, idealizou o filme a cores; dos cenários ao guarda-roupa. Contudo, consciente do risco, gravou também a preto e branco uma cópia de segurança. Após as filmagens, as complicações técnicas do Thomson-Color foram imediatas e impossibilitaram a concretização da edição do filme a cores. Tati esperou três anos antes de decidir apresentar a versão a preto e branco e quando finalmente o fez o resultado foi um vasto sucesso comercial e a projecção internacional do realizador. Nos anos 90, Sophie Tatischeff, filha de Tati, recupera os negativos a cores e consegue finalmente a versão colorida tão desejada pelo pai. Foi esta versão, a par da curta metragem 'L'ecole des facteurs', que foi apresentada hoje na Film Society.
'Jour de Fête' reune já os elementos essenciais da filmografia de Tati dos anos posteriores:
Os gags absurdos, o confronto de personagens pitorescas, a recuperação de imagens associadas à infância de cada um e a figura desengonçada de Monsieur Hulot . Neste caso a figura desengonçada de François, o carteiro. No fundo Tati himself.
Tati, graças a um processo experimental conhecido como Thomson-Color, a putativa alternativa tecnológica de França à americana Technicolor dos grandes estúdios, idealizou o filme a cores; dos cenários ao guarda-roupa. Contudo, consciente do risco, gravou também a preto e branco uma cópia de segurança. Após as filmagens, as complicações técnicas do Thomson-Color foram imediatas e impossibilitaram a concretização da edição do filme a cores. Tati esperou três anos antes de decidir apresentar a versão a preto e branco e quando finalmente o fez o resultado foi um vasto sucesso comercial e a projecção internacional do realizador. Nos anos 90, Sophie Tatischeff, filha de Tati, recupera os negativos a cores e consegue finalmente a versão colorida tão desejada pelo pai. Foi esta versão, a par da curta metragem 'L'ecole des facteurs', que foi apresentada hoje na Film Society.
'Jour de Fête' reune já os elementos essenciais da filmografia de Tati dos anos posteriores:
Os gags absurdos, o confronto de personagens pitorescas, a recuperação de imagens associadas à infância de cada um e a figura desengonçada de Monsieur Hulot . Neste caso a figura desengonçada de François, o carteiro. No fundo Tati himself.
4.1.08
telex
Dizes-me que gosto mais de Nova Iorque do que de ti, o que basicamente é uma grande mentira.
Dizes-me que todos os homens são uns egoístas, o que essencialmente é uma grande verdade.
3.1.08
por falar em noir
Escapo-me aos dez graus negativos que fazem na rua e refugio-me no Film Forum para assistir à projecção de 'Laura', de Otto Preminger, considerado "um dos noir mais perversos dos anos quarenta". No final do filme, entre risos e gritos porque afinal a Gene Tierney não morreu, a audiência rebenta numa salva de palmas. Quanto a mim, passo o resto da noite a perguntar-me porque não uso o cabelo como o Dana Andrews.
1.1.08
dois mil e oito
Acordo de ressaca e enquanto digo a mim mesmo que deveria deixar de fumar acendo um cigarro e relembro-me da noite anterior. Às 2.05 estava com a sósia da Romy Schneider debaixo de um braço, às 2.45 estava com a amiga da sósia da Romy Schneider debaixo do outro e às 2.46 estava sozinho a vê-las sair fulas pela porta ao fundo do bar. Às 2.47 pedia outro whisky irlandês e pensava que devia estrangular o tipo que um dia me garantiu que todas as alemãs e austríacas têm uma grande abertura sexual. Agora estou para aqui a tentar perceber o buraco financeiro da minha conta bancária nas últimas vinte e quatro horas de copos e a pensar que 'abertura sexual' não passa de um mito inventado pelos franceses.
Enfim, mais um ano de merda que começou.
Enfim, mais um ano de merda que começou.