30.12.10

don't you dare, darling

29.12.10

aftermath

A cidade está lentamente a recuperar da tempestade de neve. Ruas e passeios continuam intransitáveis, automóveis bloqueados, transportes públicos com serviço muito reduzido. No rescaldo partilham-se as histórias do nevão: famílias separadas, passageiros retidos horas a fio, estragos e prejuízos de muitos que fizeram o lucro de poucos. Está latente um cansaço generalizado, pós-orgíaco. Não se sente uma extraordinária energia colectiva e comunitária na recuperação da normalidade. Um nevão não é um ataque terrorista, nem uma forte causa social, nem uma nova realidade política, nem mesmo um cataclismo raro e por isso digno de nota. É apenas algo que acontece de vez em quando, um dado adquirido. Como tal cada um trata do seu pedaço devagar, sem grande entusiasmo, deixando o sol, o calor ou outra coisa qualquer chegar para normalizar as suas vidas. Neste cenário, e perante as dificuldades das equipas de remoção, o Mayor pede paciência, mas é precisamente paciência o que menos se nota nas pessoas. Com carruagens de metro cheias e morosas, autocarros desactivados, filas intermináveis nos supermercados, o nível de irritação encontra-se acima da média. Todos irritam, todos se irritam, tudo dispara ao mais leve sinal. Desculpo assim com a envolvente a tua fuga drástica e repentina de mim no cruzamento uptown. Afinal não és super-mulher; és apenas de carne e osso. Like everybody else.

28.12.10

morning view

NYC Blizzard, 2010, copyright PDB

Para completar a colecção.

27.12.10

breakfast

Saio de casa de Hasselblad em punho com a chegada da tímida luz da manhã. O primeiro passo na neve, onde fico tapado até ao joelho, dá-me conta da tarefa que me espera. Os carros estão cobertos, tal como a estrada. Um morador raspa lentamente com uma pá o monte de neve acumulada no passeio em frente ao seu lote. Vou seguindo rua fora; com dificuldade pois a tempestade ainda não passou. O vento forte faz parecer tudo pior, revolvendo os flocos no ar a uma velocidade que fere a pele e os olhos. No meu desconforto não avanço mais do que meia dúzia de quarteirões pela vizinhança. As ruas do meu quotidiano ganham um sentido de estranheza e distância. Desertas, abandonadas, camufladas; agora irreconhecíveis. Um nevão messiânico, inesperado contraponto da excessiva quadra consumista e caótica que passou. Passo pelo supermercado e o pão fresco não chegou. Talvez castigo de Deus.

night blizzard

© Arthur Fellig 'Weegee'

Finalmente a neve chegou à naked city.

24.12.10

a última ceia

Hoje não neva. Este ano ainda não nevou grande coisa. As ruas não parecem o postal ilustrado típico da quadra. Mas a multidão está ao rubro, energética. Sente-se nela o tal êxtase da amontoação conjunta que descreve Baudrillard. Uma agitação animalesca, um nervoso miudinho colectivo. Centenas, milhares; todos num fluxo frenético de última hora. Como se o mundo acabasse noite dentro e a hora do nascimento de Cristo, que morreu por todos, fosse a da última ceia dos que a ele sobreviveram.

dia vinte e quatro

Preparamos a ceia dos exilados. Percorremos a cidade separadamente em missões distintas antes que chegue o Apocalipse. Vinhos na 3rd, pães e bacalhau mais a norte. Os queijos e enchidos comprados no que resta do decadente bairro italiano, tal como os doces e o panettone — célebre tradição familiar das tuas raízes italo-brasileiras, contaste-me um dia. Depois juntos. Exilados de todos; exilados um no outro. E a metrópole se quiser que se torne ruína.

23.12.10

on artificial centrality;
quatro plates de Lorca diCorcia
para um texto de Baudrillard






«Why do people live in New York? There is no relationship between them. Except for an inner electricity which results from the simple fact of their being crowded together. A magical sensation of contiguity and attraction for an artificial centrality. This is what makes it a self-attracting universe, which there is no reason to leave. There is no human reason to be here, except for the sheer ecstasy of being crowded together».

22.12.10

our gang of two

«Such is the whirl of the city, so great its centrifugal force, that it would take superhuman strength to envisage living as a couple and sharing someone else's life in New York. Only tribes, gangs, mafia families, secret societies, and perverse communities can survive, not couples. This is the anti-Ark. In the first Ark, the animals came in two by two to save the species from the great flood. Here in this fabulous Ark, each one comes in alone — it's up to him or her each evening to find the survivors for the last party».

Em 'America' (1986, Edições Verso London-New York 1988/2010), Jean Baudrillard elabora uma sequência de reflexões sobre viagens pelos EUA. É, em parte, um livro de período, zeitgeistiano, mas paralelamente intemporal. Das suas observações, nenhuma me toca de forma tão particular como a acima transcrita do capítulo 'New York'. A alusão ao episódio bíblico da Arca de Noé como a antítese à desagregação do casal contemporâneo indicia o desapontamento característico do pós-modernismo. Baudrillard, ofuscado pela profusão e velocidade dos corpos na densidade da paisagem urbana, onde milhares de pessoas parecem «não ter outro propósito do que produzir o cenário permanente da cidade», não consegue encontrar uma outra Nova Iorque. Na sua leitura, o francês enuncia o movimento visceral, fruto de uma força centrífuga, a par e passo com uma solidão sem limites. É esse mesmo sentimento de solidão e distanciamento social que o leva a elaborar a tese de que apenas seres unidos por algo maior que um parco interesse comum podem sobreviver. Os solitários também por lá andam, na luta nocturna sem rumo, à deriva. Condenados.

Nós sobreviveremos.
No nosso gangue de dois.

18.12.10

L'Ámerique

Tocqueville, Doisneau et Baudrillard.
A democrática, a burguesa e a sideral.

wilson ave

Mudei de casa. Trabalho agora virado para uma janela de esquina. Hoje, fechado na conclusão de um trabalho que se arrasta, paro uns instantes para ver a vida passar através dela. Os barulhentos bólides de vidros fumados dos porto-riquenhos, as famílias mexicanas em passeio, os hipsters de ressaca, os carros-patrulha da polícia, os bombeiros, as sirenes, as sirenes, as sirenes. O preacher man da Iglesia Unida que já se faz ouvir no altifalante ao ensaiar o sermão. Amanhã, Domingo, será mais um dia de reunião confessional e igreja e Rua —o adro da hiper-modernidade— estarão novamente povoadas por crentes latino-americanos. Os gritos de êxtase do discurso religioso ecoarão ao longo da Wilson Avenue num raio de três quarteirões. Alguém anónimo, como sempre, gritará de uma janela remota shut the fuck'up. Não surtirá grande efeito. A religião falará mais alto.

jack dempsey



carrying his wife.

16.12.10

class and american realism

O campeão mundial de pesos-pesados Jack Dempsey casou com a actriz Estelle Taylor, (foi a sua segunda mulher), em 1925. Por essa altura o casamento era fresco e energético; depois tornou-se num combate. Durante a separação, em 1933, um admirador aproximou-se de Estelle por um autógrafo numa fotografia do casal que continha já no topo a assinatura de Dempsey. A actriz escreveu «this is the last time that son-of-a-bitch will be on top of me». Venceu o round mas não o combate. O campeão casou duas vezes mais, ficando assim on top de outras quaisquer.

13.12.10

classes and american realism



Definido como um dos dez combates do século —Mailer talvez dissesse que não— o encontro em 1923 entre o campeão do mundo Jack Dempsey e o argentino Luís Firpo ficaria igualmente para a História da Arte pelo pintor da vida moderna George Bellows. Antes do instante retratado no quadro, Firpo foi sete vezes ao chão em menos de três minutos. Depois, numa recuperação momentânea e extraordinária, o argentino consegue uma sequência de golpes ferozes e empurra o adversário para fora do ringue. Dempsey cai em cima dos elementos da imprensa presentes e fere a nuca numa máquina de escrever. Segundos depois está novamente em acção e acaba por vencer o combate a Firpo, por knock-out no segundo assalto, mantendo assim o seu título. O episódio fez furor e ficou gravado em filme e em fotografia, ambos de um outro ângulo diferente do quadro de Bellows. Este, por sua vez, estava no local e esboçara uma ilustração da cena (para o jornal socialista 'The Masses' com o qual colaborava) de um ponto de vista bem particular: segundo o artista, Dempsey ao sair das cordas caiu em cima de si e foi o próprio Bellows um dos que ajudou o boxer a voltar ao ringue. Teremos de concordar que, do ponto de vista da veracidade, para um «realista» tamanha proximidade não poderia ser melhor. E, embora derrotado, aos olhos de Bellows foi Firpo o vencedor. Pela força revoltada contra o poder mais forte, naquilo que me parece uma clara analogia de Bellows para outros carnavais.

10.12.10

classes

Entra um espanhol, um italiano e um português numa sala cheia de americanos.
Parece anedota mas não, são apenas as minhas aulas de Large-format photography.

un certain regard



Para quando me perguntavas que «tipo de mulher» és tu.
Fisicamente, aqui está a resposta. De feitio, nem por isso.

7.12.10

busy days and an evening with bruce davidson

image copyright: 'Subway', by Bruce Davidson

Bruce Davidson (1933) retratou, nos anos 1980, a face mais visível (ou mediática) da Nova Iorque anterior à era Guiliani —a da insegurança e violência urbana e «psicológica»— captando com assiduidade o quotidiano no metro grafitado e imundo. Múltiplas situações e os seus protagonistas anónimos ficaram para a história num livro intitulado 'Subway'. Anos antes, Davidson fotografara os jovens hipsters carregados de brilhantina e espírito beatnik em 'Brooklyn Gangs'; ou a comunidade negra numa vizinhança minada pelo crack e heroína em 'East 100th Street'. Na sua relação com a cidade, Davidson viu sempre o lado mais negro. Na década de '90 o fotógrafo procurou o lado oposto e 'Central Park' foi o resultado desse projecto. Fê-lo por retracção para com Nova Iorque, fê-lo pelo desejo de sossego próprio da idade, ou fê-lo por sentir que a cidade mudara e transmitiu dessa forma uma mensagem de esperança? Estas questões, que no fundo são uma, para fazer-lhe amanhã, pessoalmente, na sua talk no SoHo. Se tiver oportunidade.

2.12.10

the birth of cool



No Japão.