31.12.07

agradecimentos finais

Não queria deixar de agradecer a todos os que passaram por este blogue durante o ano e aos que de uma forma ou de outra o deram também a conhecer a terceiros. Um sincero Obrigado a todos e um Obrigado especial ao Pedro Mexia pela inclusão do Vontade Indómita no seu Best of de blogues 2007.

Misantropo, mas não mal-agradecido.
Bom 2008.

complete-se

No Dicionário de Língua Portuguesa, para a palavra 'sozinho' encontram-se os sinónimos 'só', 'solitário', 'único' e 'abandonado'. A entrada está incompleta. 'Sozinho' é também aquele que abandona — algo ou alguém, tudo ou todos, os outros ou a si próprio.

jovem chaval



É interessante ver como dois adjectivos (utilizados como nomes e o último repescado do castelhano), que usados separadamente soam como se sabe (aquele jovem ou aquele chaval), mas que combinados, e talvez pelo pleonasmo, resultam numa espécie de enaltecimento do substantivo, do género jeune chevalier. Por isso, para ilustrar o post, escolho uma imagem daquilo que poderia ser Fabrizio del Dongo, d 'A Cartuxa de Parma' de Stendhal. Ou seja, o melhor exemplo de jeune chevalier na minha História da Literatura.

A utilização do termo no post anterior não tem como intenção enaltecer o sujeito. Achei melhor utilizar 'jovem chaval' do que 'ordinário', 'brejeiro', 'reles' ou 'paneleiro' pois a ironia, como se sabe, tem outra largesse.

30.12.07

having a conversation

Ontem, num restaurante familiar minúsculo onde costumo jantar, sentou-se na mesa ao lado da minha um indivíduo com uma amiga. Nos quinze minutos seguintes ouvi-o contar (e o restaurante todo também, creio) que tinha ido para Los Angeles apanhar por trás de fulano, beltrano e sicrano na promessa de um papel em Hollywood e quando se apercebeu que não haveria nunca papel nenhum rumou para Nova Iorque para apanhar de x, y e z pela garantia de um papel na Broadway. A amiga continuava calada, ainda não tinha dado um pio, e eu pedi educadamente ao jovem chaval se podia baixar um pouco o volume. Ele respondeu-me histérico 'sorry, but we're having a conversation, ok?'. Expliquei-lhe então que 'conversa' significa interacção entre duas ou mais pessoas e o que eles estavam a ter era um monólogo. Ela riu-se, ele amuou. À saída, depois de pagar, senti o seu olhar de ódio nas minhas costas.

cinema '07



No mainstream, o melhor de 2007 apareceu no final do ano.
Resta-me agora esperar que seja assim com tudo o resto.

blogues '07

Os de 2007 — E Deus criou a Mulher, Estado Civil, Origem das Espécies — já o eram (ou também o foram) em 2006 e seguramente continuarão a sê-lo em 2008. Entretanto descobri que pela diáspora blasée se fala como muitas mulheres deveriam falar por todo o lado. Que Deus a conserve; e aos demais também.

"Oi gata, Oi Panela, Cadeirinha gata? Cadeirinha, Panela."

27.12.07

hugh grant

Andrew Jackson, o sétimo presidente dos Estados Unidos

O sétimo presidente dos Estados Unidos.

ny

Esta cidade, como é sabido, é multicultural. Dizê-lo é já um chavão; como dizer chavão também é um lugar-comum. Por isso, continuando numa de clichés, posso dizer que os meus múltiplos Eus movimentam-se na metrópole como peixes na água. Enquanto o Eu urbano janta no Mercer Kitchen no Soho o Eu emigrante vai a Newark comer bacalhau assado à marisqueira Saraiva. O Eu cinéfilo perde-se no triângulo definido pelo Film Forum, a Film Society e o IFC e para o Eu arruaceiro há adrenalina suficiente nos bares latinos da Roosevelt Ave em Queens. O Eu solitário partilha o sol de Inverno com os indigentes nos bancos de jardim de Washington Square e o Eu noctívago vai ao Studio B em Williamsburg para assistir a concertos ao vivo. O Eu melancólico sobe ao Harlem para ouvir as histórias de jazz contadas pelo nigeriano Fumi e o Eu viajante percorre Little India, Little Odessa e Korea Town em busca de sabores de outras viagens. O Eu fumador, esse, é o proscrito — e está em toda a parte.

26.12.07

japanese hardboiled

youth of the beast, de Seijun Suzuki

noite de vinte e quatro

Passo a hora de jantar na Mei Lai Haw, uma Tea House em Bayard Street no coração de Chinatown, rodeado de velhotes chineses que se importam com a Consoada tanto como eu. Um deles, surpreendentemente, convida-me para uma partida de gamão. Aceito; e em menos de vinte minutos o jogo está acabado. Levanto-me, agradeço-lhe e ofereço a rodada de chá antes de despedir-me. Pelo canto do olho, ao sair, vejo-o sorrir. Ganhara o jogo, deixando-me com sete peças no tabuleiro.

Lembro-me das palavras de Sólon a Creso: Até lá não é felicidade, é apenas sorte.

french film noir

'French Film Noir' (1994), de Robin Buss, começa por explicar a influência americana dos clássicos film noir e detective thriller na indústria cinematográfica francesa do período pós-guerra. Lembra também que essa mesma influência americana, (ou os dois géneros), foi (ou foram) anos antes fortemente moldada(os) por realizadores europeus como Hichtcock, Fritz Lang, Siodmak e Otto Preminger; a par do dramatismo visual do Expressionismo Alemão. Até aqui nada de novo. O mais interessante neste livro de Buss, que serve como uma História do genre, está relacionado com a análise que o autor faz filme a filme. Cruza referências e motivações dos realizadores e argumentistas, reacções da crítica e do público, histórias de plateau, e até (e porque não) trivialidades do meio. E apesar de começar com Henri-Georges Clouzot e os seus 'Salaire de la peur' (1953) e 'Les Diaboliques' (1955) circula também por outras influências que ajudaram a definir o noir francês, como por exemplo o Realismo Poético de Renoir e de Duvivier. Seguidamente demonstra a adaptação do género — faz a clara distinção que o noir não é um estilo — nas sucessivas correntes cinematográficas ao longo da segunda metade do século XX: do Realismo Pós-guerra, à Nouvelle Vague e ao Pós-Modernismo.

'French Film Noir' é um livro honesto, sem pretensões filosóficas de cartilha, ou como diria Zizek "leituras intelectualizadas e pseudosofisticadas que projectam sobre o filme refinadas distinções conceptuais ou psicanalíticas". Isso faz toda a diferença.

23.12.07

no cabaz

les exilées encore

Les Exilées não são apenas os exilados, os desterrados, os que estão longe dos seus. São aqueles que dentro dos que estão longe estão ainda mais longe — estão ausentes. São o traço esbatido, a memória dispersa daquilo que um dia foram; um vestígio, uma sombra, uma mancha. São como o melancólico Drogo d' O Deserto dos Tártaros de Dino Buzzati — fogem de algo e morrem na espera de outra coisa qualquer.

Bem podem esperar. Bem posso esperar.

21.12.07

les exilés

Os exilados agarram-se uns aos outros como náufragos num escaler no meio da tormenta. Na impossibilidade do regresso a casa preparam menus, listas de vinhos, dão as mãos e olham-se olhos nos olhos. Para os exilados a Noite de Natal é o Rubicão: passando-a, sobrevirão a tudo o mais. Esperam assim que todos os sigam no caminho da Salvação. Eu arrisco a sorte e mergulho sozinho na água gelada. Olho para trás e oiço os seus murmúrios na embarcação podre.

fotografia '07

copyright Jonas Bendiksen

Não englobo a Fine-Art Photography ou o Fotojornalismo, fico apenas pela minha categoria favorita, a Foto Reportagem, que junta características das duas anteriores. Assim, a melhor descoberta do ano foi 'Sattelites', de Jonas Bendiksen. Livro (e exposição) resultante de uma série de viagens a "países não-reconhecidos, enclaves e comunidades isoladas na periferia da antiga União Soviética". Uma incursão nostálgica a uma imagética praticamente desaparecida, existente fisicamente em alguns lugares recônditos e virtualmente no imaginário colectivo. No entanto, apesar do primeiro impacto provocado pela força as imagens, há uma leve desilusão aquando da leitura dos textos no livro. Apenas porque para a maior parte das histórias referidas por Bendiksen não há uma relação directa com as imagens apresentadas; aquilo que é descrito não é o mesmo que é mostrado. Mas é um pormenor insignificante. As imagens, como as histórias, valem muito bem por si.

20.12.07

news

Como o título do livro de Erich Maria Remarque: 'A Oeste nada de novo'.
Tristemente nada de novo.

19.12.07

touchez pas au grisbi

17.12.07

histórias (3)

Os persas, na necessidade de tomar alguma decisão importante, discutiam primeiramente o assunto quando estavam bêbados. No dia seguinte, o dono da casa onde a discussão tinha tomado lugar voltava a reunir todos os participantes para uma reponderação sóbria. Se mesmo assim a aprovassem, a decisão era finalmente adoptada. Paralelamente, cada resolução tomada em estado sóbrio era igualmente revista quando estavam bêbados; e uma vez mais, apenas se fosse consensual era aprovada.

Graças a Heródoto fiquei agora a saber: pratico há anos um costume milenar persa.

16.12.07

those ghostly traces, photographs

fotograma de Matri Bhumi, de Roberto Rossellini

4.47am

A insónia passada no diner vazio dos noctâmbulos do Hopper, acompanhada pela memória - apenas a memória - das mulheres cantadas pelo Chico, por um livro de bolso com capa negra e fita de feltro, pelo whisky irlandês e por um pack de Luckies que não me deixam fumar aqui. Lá fora a neve cobre os passeios, o que resta das copas das árvores, os carros e mesmo a mim, que estou longe dela. Enfim, Inverno.

12.12.07

as good as it gets

"Before marriage some grave matron presents the bride naked, whether she is a virgin or a widow, to the bridegroom; and after that some grave man presents the bridegroom naked to the bride. "

Na 'Utopia', de Thomas More.

histórias (2)

Quando Creso, o mais rico entre os reis, perguntou a Sólon qual era o mais feliz dos homens que este conhecera o sábio respondeu-lhe que tal homem fora Telus. Creso, antes confiante que a resposta incluiria o seu nome, quis saber porquê. Sólon explicou-lhe que Telus prosperara o seu reino, vira os seus filhos e netos crescer, vencera os seus inimigos e morrera como um homem bravo, tendo seguidamente um funeral de honra. Creso, na esperança de ser o segundo, volta a perguntar a Sólon. O sábio nomeia os jovens de Argos, Cleobis e Biton; também eles morreram como homens bravos, trazendo orgulho aos seus. Revoltado, o Rei da Lídia questiona se a sua felicidade é tão insignificante para que o sábio nem o compare a gente tão comum. Então Sólon replicou-lhe: Deus é invejoso da prosperidade dos homens e por isso o Homem é inteiramente uma criatura do Acaso. A felicidade só poderá ser contabilizada no final da vida. Até lá não é felicidade, é apenas sorte.

Creso abandonou Sólon, confiante que este era um idiota. Nos anos seguintes Creso, o mais rico dos homens, perdeu o filho pela lança de Adrasto, o reino para Cyrus e por milagre escapou da pira incendiária. Creso, o mais rico dos homens, morreu infeliz.

11.12.07

a visita da banda



'The Band's Visit', de Eran Kolirin (2007)
Nada no filme é novo mas é a minha escolha de Natal; em última consequência por ser uma subtil analogia à minha própria vida: um estrangeiro dependente da hospitalidade de outros e que a única coisa que pode dar em troca é ajudá-los também à sua maneira. Ou talvez isto seja apenas um reflexo do Dean Martin sentimentalão que há em mim a falar.

três para as sete

Depois de um acidente de automóvel aos vinte anos, de uma carga de pancada aos vinte e um, de uma disenteria em Marrocos aos vinte e quatro e de uma septicemia na Índia aos vinte e nove, vejo que aos trinta e tal já esgotei quatro das minhas sete vidas. Agora, para fazer a coisa durar umas décadas mais, ando calmo; muito calmo. Demasiado calmo.

Mas vai-se andando, obrigado.

7.12.07

a midnight valium for a good night sleep

Lembro-me daquele bordel no vilarejo ao pé de Bhavnagar. Hotel, dizia a placa, e isso significava uma cama debaixo de um tecto. Da janela do quarto via o reflexo do letreiro encarnado na terra batida da estrada. Deitei-me vestido. Sentia a movimentação no corredor, a gritaria, as putas que corriam com os homens atrás. Riam-se todos; partiam-se copos, ouviam-se choros. Depois o silêncio e a madrugada. E os suores frios que começaram com ela, a cabeça a explodir, a febre alta, o corpo a rebentar. Lembro-me dos dias seguintes que passei na cama do hospital. Septicemia, disseram-me, e eu, sozinho, rezava ao meu Deus desconhecido. Naqueles dias disse o teu nome, contaram-me depois. Como um lamento. Com a certeza que nunca mais te veria. Desenhei as tuas iniciais nas costas da minha mão. Inventei mil anagramas. Lentamente recuperei mas sempre o soube: a minha fuga de ti matara-me pela segunda vez.

6.12.07

more or less the same

When I left my home and my family, I was no more than a boy/In the company of strangers/In the quiet of the railway station, runnin' scared/Laying low, seeking out the poorer quarters, where the ragged people go/Looking for the places only they would know.
[...]
Now the years are rolling by me, they are rockin' even me/I am older than I once was, and younger than I'll be, that's not unusual/No it isn't strange, after changes upon changes, we are more or less the same/After changes we are more or less the same.

'The Boxer', Simon and Garfunkel.

betting on the muse

Ao contrário do que disse não é a minha América a de Mr. Bukowski. É a minha vida. Se a América também o é ou não torna-se secundário, banal, supérfluo. Porque já não interessa; como se a aposta estivesse perdida.

5.12.07

os malandros (3)

Mr. Hammer

os malandros (2)

Embora para malandro malandro, aquele que vive de mulher e de expediente, duas não cheguem.

os malandros

A analogia é evidente. Max Overseas como Pollione e Margot e Ludmila como Norma e Adalgisa. Na ópera, como na vida real, os malandros e os seus amores por duas mulheres já vêm de longe.

ópera

Na verdade 'Norma', de Vincenzo Bellini, esgotou a Metropolitan Opera mas foi essencialmente uma desilusão. Esperava algo magnífico, no entanto a única coisa realmente magnífica era a técnica da soprano e da mezzo-soprano (não fosse esta ópera de Bellini um expoente do Bel-Canto). A miséria visual do cenário em nada ajudava a enfatizar a tragédia ou a aprofundar o dramatismo da história; não era assumidamente minimalista, (perdia-se muito pelo caminho), e por isso mesmo fiquei com pena de não ver um cenário romântico a contrapor. Nos intérpretes parecia que pairava uma letargia e uma ainda maior falta de emoção, apenas quebrada no final do Acto I, (mesmo na célebre ária 'Casta Diva' senti distância).

Aguardo agora 'Peter Grimes'.

origem das espécies

O blogue de sempre em novo endereço.

4.12.07

build on air, if you want

let not the people be your/foundation,/not the young girls,/not the old girls,/not the young men,/not the old men,/not those in-between,/not any of these,/let not the people be your foundation.

rather,/build on sand/build on landfills,/build over cesspools,/build over graveyards,/build even on water,/but don't build on the people.

('let not', de Charles Bukowski em 'Betting on the Muse')

estado de espírito

Como a impressora lá ao fundo: 'out-of-paper' e 'empty-cartridges'.

o seu duplo perene

Anita Ekberg em Boccaccio70, de Fellini, entre outros

Introducing neste blogue Anita Ekberg, a sósia da minha vizinha.
Querias.

1.12.07

histórias

Quando Creso, Rei da Lídia, quis saber se deveria marchar contra Cyrus, o poderoso rei persa, o Oráculo de Delfos respondeu-lhe que se ele atacasse os persas um grande império seria destruído. Creso confiante no presságio avançou, mas perdeu a batalha, fugiu, esteve sob cerco catorze dias e finalmente a profecia cumpriu-se: um grande império foi destruído - o seu.