30.8.08

de miss a milf

Sarah Palin como miss Wasilla 1984

E quem sabe a Vice.

sarah palin, an outsider who charms

Muito se tem ouvido falar de Sarah Palin nas últimas 48 horas. Uns dizem que é demasiado à direita, outros que não é experiente o suficiente, outros que é uma puritana. Discutem-se ainda as suas posições no que toca a políticas sobre o aborto (é contra), a pena de morte (é a favor), o casamento homossexual (é contra), o direito pessoal de transportar armas de fogo (é a favor) ou a possibilidade de extracção de petróleo no Arctic National Wildlife Refuge (é a favor, McCain ali é contra). Independentemente de todas estas questões políticas apontam ainda o dedo aos seus gostos decorativos, como por exemplo o surpreendente sofa-urso mostrado hoje na página A12 do Times. Mas ainda não ouvi ninguém dizer o essencial: Sarah Palin, bimba ou não, de quarenta e quatro anos e mãe de cinco filhos (o mais recente com cinco meses), tem o melhor par de pernas da política internacional. Fora algumas Primeiras Damas, mas isso é outro campeonato.

29.8.08

community center

'community center', copyright PDB

28.8.08

das questões culturais

No teatro de Harold Pinter há genericamente uma sombra do passado —'Old Times', 'Kind of Alaska' ou 'Ashes to Ashes' são disso exemplo entre outros— no qual as tensões do momento, (por vezes o ciúme ou a obsessão), advêm de actos muito anteriores na escala temporal. O presente serve sobretudo de palco de confrontação, mais ou menos violento, de essas antigas acções —mais físicas do que emocionais— e na capacidade dos seus protagonistas as ultrapassarem; ou tentarem, pelo menos, pois como já dizia o Durrell não é o amor que é cego, mas o ciúme. Nesses ditos confrontos, com diálogos pausados, repetitivos e elípticos (maioritariamente) entre homem e mulher, entram em jogo elementos fundamentais do teatro de Pinter: a influência da subjectividade da memória e o desconhecimento do outro; carácter & passado.

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Observadas com o devido distanciamento, as personagens de Pinter só poderiam mesmo ser anglo-saxónicas. As reacções frias e controladas a determinadas confissões ou inesperados insultos são típicas da austeridade britânica. Num Pinter à portuguesa ou à italiana nunca poderiam existir pausas ou repetições. Existiriam, isso sim, estaladas, mulheres aos gritos e com as garras de fora e homens a sair porta fora aos pontapés aos gatos delas. Levar um par de cornos pode calhar a todos, mas ser «cornudo», que para além de ser um estado de espírito ou uma predisposição moral, é também uma questão cultural.

26.8.08

do grotesco

'Feios, Porcos e Maus', de Ettore Scola

O faulkneriano 'Auto dos Danados' do Lobo Antunes está para o contexto latifundiário e burguês como o 'Brutti, Sporchi e Cattivi' do Ettore Scolla está para o proletário e suburbano. A tendência para o grotesco, e já o mostrava o Marquês de Sade no século XVIII, não olha a berço, classe social ou faixa económica nem se apanha como uma gripe ou peste bubónica. Vem à nascença nos genes, como a cor da pele ou o tamanho do nariz.

25.8.08

"What's the fucking point in any case? [...] I'm busting my balls, sell you dirt to fucking deadbeats money in the mattress, I come back you can't even manage to keep the contracts safe, I have to go back and close them again...What the fuck am I wasting my time, fuck this shit."

Mais uma vez Pacino. Agora como Ricky Roma em 'Glengarry Glen Ross', um filme de James Foley com argumento adaptado por (e da peça de) David Mamet, que utiliza 137 vezes a palavra «fuck» (e os seus derivados) mais 50 vezes a palavra «shit» (e os seus derivados) e cujos diálogos colocariam roxos de vergonha Ettore Scolla e a sua grotesca família neo-realista italiana.

those ghostly traces, photographs

copyright Weegee, 'Naked City'

22.8.08

naked city

O termo surgiu inicialmente utilizado pelo fotógrafo Arthur 'Weegee' Fellig no título do seu livro 'Naked City, The Secret Life of New York' em 1945. Este trabalho de Weegee, um fotógrafo social e sensacional, abriu ao cidadão comum as portas de um submundo de crime e violência nova-iorquino. Weegee percorria a cidade de noite —o graveyard shift— na sua carrinha-estúdio, registando os casos de assassínio, suicídio, acidente ou abusos domésticos com base nas informações frescas da sua rede de agentes de polícia e funcionários de hospitais. A violência das suas imagens — ou como escreveu Sontag, a imagem da cidade como um palco de calamidade — denunciava a crueldade humana e a solidão pessoal na grande metrópole. Na visualização do seu trabalho comprende-se claramente uma ode ao grotesco e à barbaridade, expondo a obscuridade da condição humana lado a lado com a Morte. Não é de estranhar, por tudo isto, que o seu trabalho influenciasse posteriormente outros fotógrafos: Diane Arbus, obviamente, mas também Cindy Sherman por exemplo.

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Três anos depois da exposição chocante de Weegee sobre o submundo de violência nova-iorquino, Jules Dassin realizava 'Naked City' antes da partida para o exílio europeu. No início do filme, numa narração em voz-off do produtor Mark Hellinger, é explicado aos espectadores que 'Naked City' é ligeiramente diferente de todos os outros filmes por eles conhecidos; é uma história sobre um determinado número de pessoas e sobre a própria cidade dessas pessoas também. Em parte inspirado pelo neo-realismo italiano e pelo seu estilo documental, este filme de características noir sobre a investigação de um homicídio é totalmente filmado em cenários reais; interiores e exteriores. Também os figurantes são os mesmos cidadãos nova-iorquinos que todos os dias enchem as ruas, o metro, as lojas e a plataforma da ponte de Williamsburg. Numa lógica documental o filme demonstra ainda, e usando as palavras de Hellinger, a pulsação nocturna de uma cidade; as rotinas matutinas de abastecimento e logística e os movimentos pendulares nos transportes urbanos.

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'Naked City', um livro negro. 'The Naked City', um docu-noir.
Ou a diferença entre a realidade e Realismo.

21.8.08

a cidade nua



O Realismo no cinema e a fotografia da Realidade.

20.8.08

"Don't take me to no hospital, please. Fuckin' emergency rooms don't save nobody. Som-bitches, always pop you at midnight, when all they got is a Chinese intern with a dull spoon."

Terceira e derradeira citação neste blogue de Carlito Bragante, desta vez escutada com a sua voz em off depois de levar uns balázios na barriga, naquilo que embaraçosamente se está a tornar numa admiração de adolescente pela personagem redentora de Pacino.

O que pensando bem faz todo o sentido: na inocência da adolescência procurei referência nos grandes Aventureiros & Exploradores mas depois de chegar à idade adulta, já com a merda toda feita, fui inevitavelmente encontrá-la antes em putanheiros e redentores.

19.8.08

três frames neo-noir



'House of Games' (1987), de David Mamet, cuja fotografia de Juan Ruiz Anchía me faz capturar e coleccionar fotogramas noite dentro.

do neo-noir (2)

Como o termo indica, há no neo-noir um movimento elíptico que repesca os elementos característicos do film noir: o mundo moralmente decadente do bas-fond; as fragilidades de carácter; a (des)lealdade nas relações humanas; a mensagem de que o crime não compensa. Adicionada a essas características originais está também inerente uma leitura (e adaptação) da contemporaneidade pós-moderna: os novos fluxos nocturnos, as metamorfoses das geografias sociais — "mi barrio ya no existe" — a demografia racial, as tribos urbanas. 'Carlito's Way' (1993) é disso mesmo um extraordinário exemplo.

E se há neste filme de Brian de Palma, com argumento adaptado por David Koepp, uma poderosa identidade neo-noir, há paralelamente uma incursão em territórios de questões metafísicas e filosóficas — abordagens por exemplo tipicamente (mais) reconhecidas a Terrence Malick ou Paul Schrader (como ouvi pessoalmente deste último na BAM cinematek) — que tendem a explorar temas como a redenção pessoal ou a alienação social. O título do filme — Carlito's Way — sugere automaticamente esta dupla convergência: 1) À Maneira de Carlito, o estilo duro de um homem (Al Pacino) que se formou nas ruas suportado pelos seus instintos violentos e de sobrevivência; e 2) O Caminho de Carlito, onde esse mesmo homem, depois de cumprir uma pena de prisão procura a sua redenção e afastamento do mundo do crime aspirando a uma vida normal como vendedor de automóveis no paraíso turístico das Bahamas — "I'll tell you something, car rental guys don't get killed that much."

Nesse caminho da redenção surgem inesperadamente obstáculos incontornáveis que moldam as acções futuras e fazem acordar os instintos primitivos. E é nessa batalha pessoal, entre a lealdade ao código de honra de rua (e ao amigo que esteve lá sempre por ele) e aos novos valores que correspondem à libertação do passé maudite, que Carlito tenta encontrar o rumo certo.

Tal como de Palma, que compreendia os meandros da crítica cinematográfica, previu (e acertou em todos os pontos — cada tiro, cada melro), o filme foi inicial e erradamente apontado como um conjunto de fracassos (entre eles os variados motivos que ele enumera) e como uma tentativa menor de uma sequela ao género 'Scarface', também com Pacino dez antes antes. Só no final dos anos 90 'Carlito's Way' viu reconhecida a importância devida pela crítica (pois sempre a teve do grande público), com a atribuição pelo Cahiers du Cinema de um dos melhores filmes da década.

Esse excelente filme que é 'Carlito’s Way'. É verdade sim senhor.

18.8.08

big time

"You think you're big time? You gonna fuckin' die big time."

compreender a crítica

Na altura da estreia de 'Carlito's Way' (1993), Brian de Palma explicava à equipa as futuras reacções da crítica: Al Pacino, por recentemente ter recebido um Oscar (Perfume de Mulher, 1992) seria criticado por over acting; Koepp, por recentemente ter adaptado 'Jurassic Park', seria "intragável"; o próprio de Palma não seria perdoado pelo ainda fresco 'Fogueira das Vaidades' e apenas Sean Penn brilharia por não ter feito nada nos últimos tempos.

Não errou uma. Cada tiro, cada melro.

do neo-noir

'Carlito's Way' (1993), de Brian de Palma

'Carlito's Way', um filme de Brian De Palma com guião de David Koepp, que facilmente poderia ser um filme de Paul Schrader com guião de Paul Schrader.

17.8.08

a midnight valium for a good night sleep

Enquanto esperava pelo autocarro das duas da manhã, para o regresso a NY, decidi fazer às escuras as duas milhas da State Route 9 que separam a zona da fronteira do diner de camionistas Peterbilt Autotruck. A meio do caminho, tendo a auto-estrada Adirontrack Northway muito para trás e o barulho dos carros que por ela passam já transformado num imperceptível zumbido, sentei-me na berma da estrada vazia e olhei para o céu aberto e gigante. A viver na cidade que nunca dorme, luminosa, grande e poluída, há meses que não conseguia ver as estrelas tão claramente. Deixei-me estar assim um bom bocado, a adivinhar constelações entre passas de tabaco preto.

16.8.08

bob's eleven

Roger Duchesne como 'Bob le Flambeur', num filme de Jean Pierre Melville

a objectividade da subjectividade

Depois de uma viagem de sete horas, num autocarro da Greyhound a caminho de Montréal, barraram-me na fronteira a entrada no Canadá. Baralhado, aleguei que segundo o Canada Immigration and Visa Center Portugal não faz parte dos países cujos cidadãos necessitam de um visto para entrar como turistas. A entrada é um Direito, acrescentei. Explicaram-me então que direito têm os cidadãos canadianos e o que eu tenho, sendo português ou não, é apenas a possibilidade. No meio de tanta reflexão semântica pedi-lhes o motivo da recusa. "Incerteza de readmissão nos EUA à volta" e o facto de "não ter hotel marcado, nem um voo de regresso para qualquer sítio, nem contactos sociais no país sugere errância por tempo indefinido". Pode ser tudo verdade, respondi, mas a isso chama-se liberdade pessoal. A funcionária, numa análise subjectiva disfarçada de objectividade, assim não entendeu e dez minutos depois estava eu num táxi de regresso à fronteira norte-americana; coisa que ao menos pagaram eles.

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Uma vez que não entrei no país, pouco ou nada tenho a dizer sobre ele. Excepto que na alfândega, a funcionária antipática e trombuda era feia como uma noite de trovões mas a simpática e sorridente era gira que se fartava. Assim, a minha impressão do Canadá foi Universal: funcionárias mal-comidas e indigestas são iguais em todo o lado.

Claro que também estou a subjectivar. Mas agora é a minha vez.

sinais dos tempos

E pensar que um dia, nos tempos da Guerra do Vietname, o Canadá foi um país liberal que recebeu de braços abertos os desertores do exército norte-americano e que o então Primeiro-Ministro Pierre Trudeau condenou publicamente a guerra e afirmou que o seu país era um 'refúgio contra o militarismo'.

São os sinais dos tempos, algo totalmente compreensível. Também eu, um dia, tive sempre hotel marcado, voo de regresso e contactos sociais.

15.8.08

Andrew Wyeth

'Days of Heaven', de Terrence Malick, com fotografia de Néstor Almendros

em Néstor Almendros.

11.8.08

estado de espírito

Como um filme do Antonioni: curta acção e longos espaços entre a pouca que resta.
"Que queres que te diga? Há alturas em que ter uma agulha e coser, ou um livro, ou um homem, é tudo a mesma coisa."

Ouvi eu da Monica Vitti em L'Eclisse às 3 da manhã.
Há noites em que mais vale dormir as oito horas seguidas.
Alain Delon e Monica Vitti em 'L'Eclisse' de Antonioni

you remember the form

Emma: [...] How's Sam?
Jerry: You mean Judith.
Emma: Do I?
Jerry: You remember the form. I ask about your husband, you ask about my wife.
Emma: Yes, of course. How's your wife?

'Betrayal', de Harold Pinter.

10.8.08

o violento conflito da onomástica

However, when I first had a poem published in a magazine called 'Poetry London' my parents were quite pleased. I published the poem with my name spelt 'Pinta', as one of my aunts was convinced that we came from a distinguished Portugueses family, the Da Pintas.

This has never been confirmed, nor do I know whether such a family existed. The whole thing seemed to be in violent conflict with my understanding that all four of my grandparents came from Odessa, or at least Hungary or perhaps even Poland.

There was tentative speculation that 'Pinta' became 'Pinter' in the course of flight from Spanish Inquisition but whether they had a Spanish Inquisition in Portugal no one quite seemed to know, at least in Hackney, where we lived.

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Harold Pinter, no discurso de agradecimento pelo David Cohen British Literature Prize, em 1995, naquele que é um continuado, improvável e subliminar acto de comédia de um "enigmático" e "taciturno" dramaturgo. Dos Da Pintas, nunca ouvi falar.

7.8.08

summer in williamsburg

Na trilogia 'The Brooklyn Novels' de Daniel Fuchs, um dos livros intitula-se 'Summer in Williamsburg'. Apesar de a história ser totalmente diferente da minha —embora haja um ponto de conexão em nada relacionado com a localização geográfica— tenho a dizer que o seu título não poderia ser mais apropriado. Sim, Verão em Williamsburg. Finalmente Verão; finalmente Williamsburg.

old woman and american flag

'Old woman and American flag', Oceanside, Long Island, August 2008, copyright PDB

outros errantes

Joseph Conrad, que também via fantasmas, descreve Francis Drake em ''Heart of Darkness" como o 'Grande Cavaleiro-Errante dos Mares'. Nunca dei conta de melhor eufemismo para corsário.

os noctâmbulos (02)

Há, como me parecia, quem veja fantasmas. E às horas em que o fazem por ventura só poderão ser fantasmas também.

4.8.08

a morte de aleksandr solzhenitsyn

aleksandr solzhenitsyn

os noctâmbulos

Nas horas impróprias, aquelas em que a maior parte das pessoas dorme, coloco aqui auto-retratos, reflexos fugazes da minha sombra pelos sítios onde passo. Essas imagens, ou aquilo a que Barthes também poderia chamar de o meu duplo perene, povoam momentaneamente este blogue como fantasmas, aparecendo apenas nesse breve momento onde o sono e o despertar se misturam antes de a madrugada começar. Há quem veja fantasmas; e embora ninguém acredite nisso eu sei que é verdade.

ronin

O Ronin é o samurai errante, o renegado. É aquele que não obedece a Senhor ou clã, que não reconhece feudos ou exigências hierárquicas. Percorre a terra livre de tudo, mesmo de qualquer propriedade, sendo o seu Código de Samurai a única coisa que o rege.

Honra e Liberdade, a maior combinação da Universalidade. No Japão ou onde quer que seja.