A questão do desaparecimento dos cinemas de rua em detrimento dos instalados em centros comerciais tem sido discutida por muitos cinéfilos nostálgicos. O que faz todo o sentido. Ir
ver um filme ou
ir ao cinema são coisas diferentes.
Ir ao cinema é um ritual que incorpora diversos passos: a sessão e os momentos
pré e
pós. As salas encafuadas em superfícies comerciais herméticas e despersonalizadas têm a
vantagem de oferecer melhores instalações (leia-se cadeiras e espaço entre elas) mas mesmo assim não as tornam atractivas para quem está na disposição de ir ao cinema como um ritual e não apenas com a finalidade de ver um filme.
Este parágrafo disperso não deverá ser interpretado como um ataque às salas em centros comerciais (valem o que valem e ainda bem que também existem), serve apenas de
introdução conceptual para um elogio à «resistência» das salas tradicionais. A Cinemateca Portuguesa, embora seja um exemplo mais
institucional, é, e como não poderia deixar de ser, o paradigma de uma sala de cinema propícia ao ritual: um curto passeio pela Avenida, a chegada a um local sóbrio e tranquilo, a projecção
em si e o regresso calmo a casa ou ao carro (estrategicamente afastado para aproveitar o passeio). Junte-se a isto a qualidade de uma programação variada (cinco sessões ao dia) que proporciona o acesso a visualizações raras (destaque para os actuais ciclos dedicados a Mikio Naruse; ao Neo Realismo e a Robert Bresson) a um custo máximo por bilhete de 2,5.
Cinemateca ou Film Society, King ou Film Forum, Londres ou Lincoln Plaza, S. Jorge ou Angelika SoHo. Lisboa ou Nova Iorque, o importante é que ainda se pode
ir ao cinema. E nestes tempos de hipermodernidade eu elogio os que nos permitem isso.